quinta-feira, 25 de abril de 2013

Marcos, o evangelista

Hoje, dia 25 de abril, a liturgia latina comemora a festa de São Marcos, a quem a composição de um dos evangelhos sinóticos, provavelmente o mais antigo, é atribuída. Marcos também é tido como fundador do cristianismo na África e primeiro Bispo do importante patriarcado de Alexandria. Por essa razão, ele é particularmente venerado na Igreja Copta.   

Não existem informações claras e precisas no Novo Testamento sobre Marcos; ou, elaborando a questão de uma maneira diferente, não existem informações que possam ser seguramente relacionadas a ele (quem ele foi exatamente, informações sobre sua vida, seu lugar e seu papel na nascente comunidade cristã, etc). Chegou-se a sugerir, por exemplo, que ele fizesse parte do grupo de 70 discípulos enviados em missão por Jesus (Lc 10, 1-24). Outros o identificaram com João Marcos, mencionado diversas vezes nos Atos dos Apóstolos (como em At 12, 12, por exemplo).  Há ainda quem diga que ele era o jovem que estava no Horto das Oliveiras no momento da prisão de Jesus (Mc 14, 51). Os exemplos citados acima são, no entanto, apenas hipóteses. 

Já Hipólito de Roma, em sua obra Sobre os 70 Discípulos, distingue Marcos, o evangelista do João Marcos mencionado em Atos. Para Hipólito, o evangelista é o Marcos mencionado em 2Tim 4, 11.

Como era de se esperar, o célebre historiador eclesiástico da antiguidade tardia, Eusébio de Cesareia, também fala de Marcos. No livro 2 de sua História Eclesiástica, Eusébio diz que Pedro, após ter sido preso por Herodes Agripa e libertado milagrosamente por anjos (at 12, 1-19), viajou pela Ásia Menor, indo depois para Roma. Em algum momento dessa viagem, Pedro encontrou Marcos e fez dele seu companheiro de viagem e intérprete. A partir dessa relação teria nascido o evangelho de Marcos. Marcos teria registrado a pregação oral de Pedro e composto o evangelho antes de ir para Alexandria, por volta do terceiro ano do governo do imperador Cláudio (ano de 43). Crê-se hoje, porém, que a data de redação final do Evangelho de Marcos seja posterior a data sugerida por Eusébio: algo em torno do ano 64, após o martírio do próprio Pedro em Roma.

O relato de Eusébio é particularmente importante porque, além de retraçar as origens redacionais, e porque não, apostólicas, do Evangelho de Marcos, documenta a ida do personagem em questão ao Egito. Como dito acima, Marcos é tido como o fundador do cristianismo nesse país - e consequentemente na África - e como primeiro bispo do importantíssimo e influente patriarcado de Alexandria. Ele é, por isso, particularmente venerado pela Igreja Copta. Tradições tardias da Igreja Copta atestam que ele foi martirizado em 68. 

Basílica Copta de São Marcos, no Cairo.  

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Aniversário de 1700 anos do Edito de Milão

Fragmento de uma estátua de Constantino,
 hoje nos Museus Capitolinos 
Um importantíssimo aniversário para a história do cristianismo, comemorado em fevereiro deste ano, passou praticamente desapercebido. Trata-se do aniversário de 1700 anos do famoso Edito de Milão, promulgado em fevereiro de 313 pelo então imperador romano do Ocidente, Constantino, e por Licinius, que na época governava a região dos Balcãs. 

Dois autores contemporâneos de Constantino falam do Edito, Lactâncio, em sua obra intitulada De Mortibus Persecutorum, e Eusébio de Cesareia, em sua História Eclesiástica. Na obra de Lactâncio o edito é apresentado como uma carta escrita por Licinius e enviada aos governadores das províncias do Oriente. 

Em termos práticos, o Edito de Milão fez com que o cristianismo se tornasse uma religião tolerada, permitida, acabando oficialmente com as perseguições e martírios. É particularmente impressionante notar que esse edito tenha sido promulgado somente alguns anos depois da deflagração de uma das mais violentas e sangrentas perseguições da história do cristianismo, a famosa perseguição de Diocleciano (no início do séc. IV). A perseguição de Diocleciano foi tão violenta e marcante que até hoje a Igreja Copta baseia seu calendário no início do reinado desse imperador, contando os anos a partir da "era dos mártires". Sem contar os cismas que ela causou, como o chamado cisma Meliciano, mas isso é assunto para outro post.    

Nunca é demais lembrar a importância do Edito de Milão na história do cristianismo. Trata-se de um verdadeiro marco, um evento que inaugura um novo período na história da Igreja. Na historiografia sobre o cristianismo antigo, por exemplo, adota-se o Edito de Milão - juntamente com o Concílio de Niceia (325) - como uma espécie de marco institucionalizador da Igreja. 

O cristianismo ainda teve de esperar até o fim do século IV para se tornar a religião oficial do império, mas o Edito de 313 provocou diversas mudanças no cristianismo e em suas relações com o Estado. Se antes o cristianismo tinha de lidar com as perseguições institucionais, a partir de 313, teve de começar a lidar com a ingerência dos imperadores nos assuntos doutrinais e eclesiásticos. A famosa crise ariana provê bons exemplos de quão longe a ingerência do império romano tentou chegar: imperadores exilando bispos e "nomeando" pessoas de sua confiança para as dioceses importantes ou ainda tentando meter o bedelho em decisões conciliares. A Igreja não deixou por menos e muitas vezes enfrentou o poder imperial para afirmar categoricamente que o poder secular não deveria se meter em assuntos doutrinais e eclesiásticos. O maior exemplo disso foi, sem dúvida, Atanásio de Alexandria, que chegou a ser exilado 5 vezes durante seu episcopado por 5 imperadores diferentes.

Portanto, se engana quem acha que o Edito de Milão trouxe um período de paz para a Igreja da antiguidade. Alguns problemas sumiram, outros apareceram.

Se engana também quem acha que o Edito de Milão sepultou de vez o "paganismo". Sabe-se que muitos adeptos das religiões pagãs continuaram a praticar seus cultos até meados do séc. V, e talvez mesmo depois disso. Não se pode deixar de mencionar, por exemplo, o imperador Juliano, o apóstata (imperador entre os anos de 361-363), da própria dinastia de Constantino e que, tendo nascido no seio de uma família cristã, renegou a fé e tentou restaurar os cultos pagãos.    

Mas como dito acima, não se pode deixar de considerar a importância desse marco - o Edito de Milão - na história do cristianismo. 

É uma pena que este aniversário não esteja sendo lembrado.