domingo, 23 de dezembro de 2012

Algumas considerações sobre o Natal

A jornalista Luciana Alvarez, do portal UOL, me entrevistou por e-mail essa semana; seu objetivo era redigir uma matéria sobre o Natal, matéria esta que, diga-se de passagem, ainda não foi publicada. Procurei responder as perguntas de maneira ascessível. No entanto, as respostas ficaram um pouco longas e ela decidiu me citar somente em três parágrafos da matéria. 

Para não desperdiçar, portanto, meu trabalho, resolvi publicar as minhas respostas aqui no blog, apenas modifiquei alguns detalhes na formulação das peguntas feitas pela jornalista. 

Como tive apenas alguns dias para redigir as respostas, não houve tempo para achar todas as referências detalhadamente; fico devendo, portanto, algumas referências completas, como quando cito Tertuliano e Agostinho, por exemplo.  


- É possível dizer com segurança que Jesus existiu de fato?

Sim, é possível dizer com segurança que Jesus existiu de fato. A quantidade de fontes antigas que mencionam Jesus é considerável, muitas delas compostas em períodos praticamente contemporâneos ao próprio Jesus. Veja o exemplo do Novo Testamento: os escritos neo-testamentários foram todos compostos ainda no séc. I; algumas epístolas paulinas já na década de 50. Não faria sentido pensar que uma quantidade tão grande de fontes, compostas quase que ao mesmo tempo, ou num curto período de tempo, e por autores diferentes fizessem referência a uma pessoa que nunca existiu, ou que fosse mero fruto de uma invenção. Além do mais, até onde sei, não se conhece nenhuma fonte antiga que questione a existência de Jesus em si. Pode-se até chegar a questionar se essas fontes apresentam uma imagem fidedigna de Jesus, mas o fato de que elas falam de uma pessoa que realmente existiu está acima de qualquer suspeita.

Poder-se-ia mencionar ainda a rica tradição oral que se desenvolveu ao redor da figura de Jesus, Seus ensinamentos e dizeres, ainda no séc. I e que não chegou a ser registrada nos escritos neo-testamentários, mas que ecoa em obras cronologicamente posteriores – mas que ainda fazem parte da antiguidade – como algumas obras dos chamados Padres da Igreja, por exemplo.  

Existem ainda menções de Jesus em obras antigas não cristãs. As mais conhecidas aparecem nos livros 18 e 20 da obra Antiguidades Judaicas do historiador judeu Flávio Josefo, (que viveu entre os anos 37 e 100). A menção do livro 18, que fala da execução de Jesus sob a autoridade de Pôncio Pilatos é conhecida entre os historiadores como “Testemunho Flaviano”, e é um dos temas mais estudados pelos especialistas desse historiador. A menção do livro 20 fala especificamente de João Batista. A autenticidade dessas menções, no entanto, é questionada, alguns historiadores levantaram a possibilidade de interpolação cristã, já que os manuscritos nos quais as Antiguidades Judaicas foram preservadas são posteriores à época em que Josefo viveu (o que é comum em se tratando de textos antigos, praticamente todos os textos antigos que conhecemos hoje foram preservados em manuscritos posteriores, sejam da antiguidade tardia, seja da Idade Média). A questão está longe de ser resolvida, no entanto. Há quem creia em interpolação, há quem creia em relato autêntico. Hoje em dia, a maioria dos especialistas tende a acreditar, no entanto, que ao menos a menção no livro 20 das Antiguidades Judaicas é, de fato, autêntica. Já o chamado Testemunho Flaviano (a menção do livro 18) gera mais dúvida. De qualquer maneira, estamos diante de relatos de um não cristão, provavelmente autênticos, que falam de maneira clara de Jesus. Mais uma evidência clara de que Jesus de fato existiu.

A ideia segundo a qual Jesus não teria existido e que seria fruto de uma invenção mítica surgiu provavelmente no séc. XVIII e tem motivações muito mais ideológicas do que históricas. As pessoas que duvidam da existência de Jesus são comumente chamadas em inglês de “mythicists” e são hoje bem ativas na internet. O fato é que há evidências fortes o suficiente para demonstrar que Jesus existiu (eu te mostrei algumas acima) e nenhum estudioso sério jamais defendeu o contrário. A quantidade de fontes antigas que menciona Julio César, por exemplo, é muito menor do que a quantidade de fontes antigas que menciona Jesus. No entanto, eu nunca vi ninguém questionar a existência do primeiro. Portanto, as dúvidas em torno da existência de Jesus são de cunho ideológico, não histórico; quem duvida o faz como maneira de tentar questionar ou desacreditar as religiões cristãs. 

- Existem evidências históricas sobre o recenseamento que teria levado Maria e José a Belém, para que Jesus nascesse nessa cidade e não em Nazaré?

Mais uma vez, a resposta da pergunta parece estar na obra de Flávio Josefo, novamente no livro 18 das Antiguidades Judaicas. Josefo fala de um censo que ocorreu nas províncias da Síria e da Judeia – chamado Censo de Quirino – mais ou menos no período que coincidiria com o nascimento de Jesus. O objetivo desse censo era tributário. Há, no entanto e aparentemente, três diferenças em relação ao relato do Evangelho de Lucas: 1- O Censo descrito por Josefo não parece ter se entendido a todo o império Romano, mas somente as províncias da Síria e da Judeia; 2- Ele não menciona a necessidade de se retornar à cidade natal dos antepassados; 3- O censo descrito por Josefo aconteceu entre os anos 6/7.
Sabe-se ainda que Otávio Augusto (imperador Romano na época em que Jesus nasceu) ordenou ao menos 3 vezes que um censo em todo o império fosse feito, mas provavelmente somente os cidadãos romanos eram recenseados.

A data mencionada por Josefo para o censo na Judeia e Síria seria entre os anos 6 e 7; no entanto, existe a possibilidade de Josefo ter se enganado, já que ele escreveu sua obra várias décadas depois; outra possibilidade é que Jesus tenha nascido alguns anos depois do que se crê tradicionalmente. No entanto, a melhor maneira de resolver esse enigma é provavelmente levar em conta o relato de Tertuliano (escritor cristão que viveu entre 160 e 225); Tertuliano diz que o “censo de Quirino” foi realizado em duas etapas e o próprio Evangelho de Lucas menciona que “este primeiro alistamento foi feito sendo Quirino presidente da Síria” (Lc, 2, 2). Assim sendo, a data fornecida por Josefo diz respeito somente à segunda etapa do recenseamento, esta sim ocorrida entre os anos 6 e 7. Em relação à possibilidade de deslocamento de José e Maria para Belém, do ponto de vista meramente literário e histórico, não há como comprová-la, mas também não há como descartá-la.

- Em que ano Jesus teria nascido?

Impossível saber com certeza. Os Evangelhos não fornecem datas precisas, apenas indícios e muitas variáveis devem ser consideradas, como a diferença de calendários adotados por judeus e romanos à época, por exemplo.

Tradicionalmente, os historiadores têm utilizado 2 abordagens para tentar desvendar o ano de nascimento de Jesus: 1- uma estimativa que tem por base os relatos da natividade nos Evangelhos de Mateus e Lucas (lembrando que os Evangelhos de Marcos e João não possuem relatos da Natividade); 2- uma tentativa de estabelecer o ano da Natividade analisando de forma reversa a cronologia do ministério de Jesus. Falemos brevemente sobre ambas as abordagens.
1-      Tanto Lucas quanto Mateus relatam que Jesus nasceu durante o reinado de Herodes, o Grande, o que provavelmente situaria a Natividade de Jesus entre os anos 6 e 4 a.C. Já falamos sobre a data do recenseamento fornecida por Josefo e como o relato de Tertuliano nos ajuda a decifrar o enigma. Portanto, levando em conta os relatos da Natividade nos Evangelhos de Lucas e Mateus, o mais provável é que Cristo tenha de fato nascido alguns antes da data tradicional, cerca de 6 a 4 anos antes. Essa diferença, como eu disse, pode provavelmente ser explicada pelas diferenças entre os diferentes calendários usados na época.
2-      A abordagem que leva em conta a cronologia do ministério de Jesus é mais complexa e se baseia primeiramente no relato de Lc 3, 23 segundo o qual ao ser batizado por João Batista, ou seja, no início de Sua vida pública, Ele tinha cerca de 30 anos. A partir daí, devemos considerar outros trechos dos evangelhos ou de outras fontes que podem nos revelar algumas datas: o trecho mais conhecido está, novamente, no evangelho de Lucas, que diz em 3,1-2 que no “ano 15 do reinado de Tíberio” João Batista começou a proclamar. Ora, Tibério foi imperador do ano 14 ao ano 37, portanto, o 15º ano do reinado de Tibério é o ano 29. Ou seja, João começou a proclamar no ano 29, um pouco antes do início da vida pública de Jesus, que, como o próprio Lucas nos diz, começou quando Ele tinha cerca de 30 anos. Assim sendo, Jesus teria nascido um pouco antes do início da era cristã propriamente dita.

Portanto, levando em conta ambas as abordagens e o nosso calendário atual, o mais provável é que Jesus tenha mesmo nascido alguns anos antes do início da era cristã propriamente dita (entre os anos 6-4 a.C). Essa pequena diferença, como dito anteriormente, pode ser possivelmente explicada pelas diferenças entre os calendários usados à época e também pelas discrepâncias geradas pela substituição do calendário Juliano pelo Gregoriano, no séc. XVI, já que o segundo é mais preciso que o primeiro.

- A cidade na qual Jesus nasceu foi mesmo Belém?

 Apesar de existir a possibilidade de os relatos evangélicos estarem somente fazendo referência à profecia de Miqueias (Miq 5,1),  o fato de não existir nenhuma fonte antiga que conteste que Belém foi realmente o local de nascimento de Jesus é bastante elucidativo. As duas únicas fontes que falam da Natividade a situam em Belém, e nenhuma outra fonte diz o contrário, portanto, em princípio, não haveria razão para duvidar do fato de que Jesus realmente nasceu na cidade em questão.

- Por que celebramos o Natal no dia 25 de dezembro? Há alguma evidência de que Jesus teria nascido nesta data?

Diferentemente da Paixão, cuja data pode ser conhecida com precisão, nada pode nos garantir em qual dia ou mesmo qual época do ano Jesus nasceu. Os evangelhos não fornecem nenhuma data, nem mesmo uma indicação direta da época em que Jesus nasceu. Até onde sei, o número de fontes antigas que mencionam uma data é restrito, porém interessante: um martirológio romano do séc. IV, por exemplo, menciona o dia 25 de dezembro. Tal fonte é, no entanto, um pouco tardia e não serve para atestar que Jesus nasceu de fato no dia 25 de dezembro, serve, no entanto, para mostrar que, já na antiguidade tardia existiam cristãos que celebravam o nascimento de Jesus no dia em questão. Agostinho, na segunda metade do séc. IV e início do sec. V, afirma que os Donatistas celebravam a Natividade no dia 25 de dezembro; mais uma vez, temos um exemplo tardio que não serve para atestar que Jesus nasceu no dia 25, mas que atesta que já na antiguidade tardia existiam cristãos que celebravam o Natal nessa data. Epifânio, também no final do séc. IV, diz que Jesus foi concebido no seio de Maria no dia 6 de abril (mais nove meses, e Ele teria nascido em janeiro, por volta do dia 6, data na qual se celebra liturgicamente a festa da Epifania). Mas o mesmo comentário aplicado às duas fontes anteriores serve para esta: trata-se de um relato relativamente tardio, que não serve para provar que Jesus nasceu no dia 25, ou nesse caso no dia 6 de janeiro, mas apenas para evidenciar que na antiguidade tardia existiam cristãos que acreditavam nisso.  

A explicação mais conhecida e tradicional para o nascimento de Jesus ser celebrado no dia 25 de dezembro está ligada à celebração do festival de inverno na antiguidade – comemorado por volta do dia 21, data do início do inverno em geral. Em 274, o imperador Aureliano instituiu, além do tradicional festival de inverno, a festa do nascimento do Sol Invictus, no dia 25 de dezembro. Na medida em que o império romano foi se cristianizando, essa festa pagã deixou de ter importância e seu significado foi gradualmente modificado, passando a ser celebrado como festa do nascimento de Jesus. A ausência de fontes cristãs antigas que apoiem essa teoria, no entanto, é um fator de peso que leva a questioná-la.

Alguns estudiosos tentaram demonstrar que Jesus realmente nasceu no dia 25 de dezembro, baseando-se nos relatos evangélicos e na época na qual João Batista presumivelmente foi concebido e nasceu. Segundo Lc 1, 5.8s, Zacarias, pai de João, era da classe de Abdias e que o próprio João foi concebido durante o serviço sacerdotal de seu pai; presume-se que essa classe exercia suas funções sacerdotais a partir de Julho. Assim sendo, o Batista teria nascido a partir de abril e Cristo (que foi concebido 6 meses depois da concepção do Batista, segundo Lc 1, 26) a partir de outubro. Tal teoria é, no entanto, deveras especulativa e carece igualmente de evidências que possam sustentá-la.

De qualquer maneira, se considerarmos o conjunto dos relatos evangélicos de Lucas e Mateus no tocante à Natividade, a possibilidade de Jesus ter nascido em dezembro é quase que inviável. Dezembro é o mês no qual se inicia o inverno, e não faria sentido pensar em pastores vigiando seus rebanhos de ovelhas ao ar livre nessa época, enfrentando o frio e as chuvas típicas do início dessa estação. Além do mais, existem leis rabínicas que proíbem o pastoreio ao redor de Belém antes de fevereiro. Portanto, o mais provável é que Jesus tenha de fato nascido em outra época do ano. Qual? Impossível saber.

O Natal é comemorado no dia 25 de dezembro provavelmente por questões litúrgicas que surgiram na Idade Média. A Natividade está ligada à missão e ao ministério de Cristo como um todo, cujo ápice é a Paixão e Ressurreição. A Salvação se opera de maneira conjunta e se inicia na Encarnação do Verbo, e se completa com a Paixão e Ressurreição. Assim sendo, liturgicamente, a celebração do Natal dependeria da celebração da Páscoa. No entendimento litúrgico, portanto, Jesus teria sido concebido próximo ao equinócio da primavera no hemisfério norte, data que serve igualmente para estabelecer a data da Páscoa. Segundo Tertuliano, no ano em que Jesus morreu, essa data correspondeu ao dia 25 de março (exatamente nove meses antes do 25 de dezembro). E, de fato, até hoje a liturgia romana celebra a Anunciação (o anúncio do anjo Gabriel à Maria) no dia 25 de março.     

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Fragmentos gregos e coptas antigos sendo vendidos no e-bay

Parece piada, mas é verdade. O Colega Brice Jones, da Universidade de Concordia, identificou um fragmento bíblico copta que está à venda no e-bay; o vendedor se identifica como "mixantik" e, segundo o e-bay, está na Turquia. Por meio das fotos disponibilizadas no anúncio do e-bay, Brice identificou o fragmento de papiro como autêntico, possivelmente do séc. IV ou V, e contento porções da Epístola aos Gálatas : 2, 2-4 (recto) e 5, 6 (verso). O vendedor está pedindo a bagatela de US$ 14.000,00...... um valor excessivamente alto. Infelizmente, nenhuma biblioteca vai pagar esse valor e o fragmento com certeza vai cair nas mãos de um comprador particular.
Segundo Brice, esse mesmo vendedor tem anunciado há cerca de um ano vários fragmentos gregos e coptas, mas por valores mais baixos, de cerca de US$200,00 ou US$300,00.
Ficam as perguntas: como o vendedor conseguiu esses fragmentos? Como eles saíram do Egito?
Há ainda questões legais a serem analisadas, pois, tratam-se de documentos históricos de propriedade da nação egípcia.

Mais informações sobre essa questão, assim como fotos do fragmento, podem ser vistas no blog do meu amigo Alin ou no blog do próprio Brice Jones 

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Sobre concílios e cismas

O presente post foi motivado pelo aniversário de 50 anos do início do Concílio Vaticano II, sem dúvida nenhuma, um dos mais importantes episódios da história da Igreja.
Escuto muitos amigos, colegas e conhecidos falarem do Concílio Vaticano II de maneira pessimista, referindo-se de modo simplista à suposta batalha entre "progressistas e tradicionalistas" e lamentando de maneira quase escatológica o "cisma" causado por Marcel Lefebvre e seus seguidores. Tal posição pessimista passa muitas vezes a impressão de que a Igreja vive tempos particularmente difíceis, e que nunca antes tinha passado por uma crise tão séria. 

Enfim, o objetivo deste post é mostrar brevemente que desde os primeiros séculos da história da Igreja - abordando, portanto, um assunto que faz parte do escopo deste blog - os anos e décadas posteriores a um concílio quase sempre foram difíceis; que muitas vezes a Igreja teve de conviver com crises teológicas, cismas e até mesmo tentativas de intervenção externa de autoridades seculares em questões doutrinais e dogmáticas. Se por um lado os concílios da antiguidade conseguiam formular dogmas, por outro, a formulação do dogma propriamente dito acabava por gerar desavenças e causar cismas.
Esse post é, digamos, um post apologético, animador, que quer mostrar que a situação a qual me referia no primeiro parágrafo não é inédita e que a Igreja já sobreviveu a situações muito mais difíceis e complicadas.

Comecemos pelo Concílio de Niceia, em 325. O ponto mais importante desse concílio foi a formulação dogmática que deixava claro que Jesus era Deus. Alguns cristãos da época - 
simplificadamente chamados de "arianos" - não acreditavam que Jesus era Deus, mas a primeira e mais excelsa dentre as criaturas, tendo, inclusive, participado do restante da atividade criadora do Pai. Mesmo após o Concílio, esses cristãos não passaram a acreditar na divindade de Cristo. Por outro lado, alguns clérigos, de maneira geral, aceitando a divindade de Cristo, não ficaram satisfeitos com o uso de expressões filosóficas gregas, que não apareciam nas Escrituras, na formulação do dogma em questão. 
O séc. IV viu, portanto, uma verdadeira crise teológica que ficou conhecida como "crise ariana", que durou mais de 60 anos. A formulação do Concílio, ao invés de alcançar um consenso, acabou criando discórdia em toda a cristandade.   A chamada crise ariana foi, sem dúvida, um dos episódios mais dramáticos da história da Igreja. A produção literária dos Padres da Igreja nesse período testemunha a grandeza e a dramaticidade dessa crise. Nesse período, a figura de Santo Atanásio, o principal defensor do credo niceno, foi proeminente. 
Ainda no âmbito eclesiástico, o período em questão testemunhou o aparecimento de vários pequenos sínodos regionais, nos quais alguns bispos se reuniam para questionar o credo niceno, formulando ajustes ou suprimindo partes do próprio credo. 
Outra questão que tornou a situação da Igreja particularmente dramática nesse período consistiu no fato de alguns imperadores romanos terem tentando interferir em assuntos dogmáticos e eclesiásticos. Alguns imperadores que não eram adeptos do credo niceno ordenaram o exílio de bispos pró-Niceia, nomeando eles próprios "bispos" anti-Niceia; Santo Atanásio, por exemplo, chegou a ser exilado 5 vezes de seu posto de Patriarca de Alexandria.    
A questão só foi se resolver de maneira completa no fim do séc. IV, com um outro concílio, o Concílio de Constantinopla I, em 381; tal concílio ratificou o credo niceno e estendeu a formulação dogmática sobre a divindade ao Espírito Santo.  Portanto, apesar da situação dramática vivida pela Igreja durante o séc. IV, a questão acabou por se resolver sem deixar que um cisma ariano se perpetuasse.

No séc. V, outros dois concílios, o de Éfeso (431) e o de Calcedônia (451) geraram situações semelhantes, mas com um fim diferente. No Concílio de Éfeso, a principal formulação dogmática dizia respeito à União Hipostática - ou seja, inseparável - das naturezas humana e divina na pessoa de Cristo. Nestório, o famoso Patriarca de Constantinopla na época e que negava a União Hipostática, foi condenado, assim como sua doutrina, comummente chamada de Nestorianismo. A decisão dogmática, no entanto, causou um cisma, que continua a existir até os dias de hoje, a chamada "igreja nestoriana", na Síria. 


Em Calcedônia, a formulação dogmática procurou resolver a questão monofisita. O monofisismo pregava que a natureza divina de Cristo, sendo mais excelsa, tinha absorvido a natureza humana do próprio Cristo. O Concílio de Calcedônia viu aparecer um dos grandes cismas da história do cristianismo, o cisma monofisita. Após o Concílio, devido também a questões políticas, a Igreja do Egito, representada principalmente pelo patriarcado de Alexandria, separou-se do restante da cristandade, negando de maneira virulenta a comunhão com Roma.

Esse pequeno esboço dos 4 grandes concílios da antiguidade são apenas uma tentativa de mostrar que grandes formulações dogmáticas quase sempre deixam alguns descontentes. Tem sido assim desde Niceia, não seria diferente com o Vaticano II. E certamente, apesar do aval dos pessimistas, a Igreja já passou por situações mais dramáticas e sobreviveu....



terça-feira, 2 de outubro de 2012

Mais notícias sobre o 'Evangelho da esposa de Jesus'

E a novela continua. 
Segundo alguns meios de comunicação e blogs especializados em estudos bíblicos, um documentário sobre o tal Evangelho da esposa de Jesus, produzido pelo canal Smithsonian, teve sua estréia adiada devido às dúvidas quanto à autenticidade do documento, levantadas por diversos estudiosos dos domínios do cristianismo antigo e estudos coptas.

Um resumo e um preview do documentário podiam ser vistos na página do canal Smithsonian até domingo, mas acabei de conferir e vi que ambos foram retirados do ar. 



É preciso que fique claro que a falsificação do tal fragmento ainda não foi comprovada; o que existe são fortes indícios e evidências de falsificação, e não provas, digamos, concretas e irrefutáveis. Talvez, a única maneira de comprovar de uma vez por todas que se trata de uma falsificação seja testando a tinta utilizada para escrever no papiro. Pelo que andei lendo, o teste deve ser realizado antes de 2013. Mas mesmo o teste da tinta poderia deixar dúvidas. Creio que, se a composição da tinta for deveras diferente das tintas usadas em manuscritos comprovadamente antigos, principalmente coptas, não restariam dúvidas quanto à falsificação; mas o contrário, uma tinta cuja composição é semelhante a das usadas na antiguidade, ainda poderia deixar dúvidas, pois nada impede que o(a) pretenso(a) falsificador(a) tenha se dado ao trabalho de usar uma tinta semelhante.
De qualquer modo, o tal teste deveria ter sido feito antes do anúncio, e não depois. Toda essa confusão teria sido evitada. É uma pena ver, mais uma vez, o trabalho acadêmico sendo substituído pelas polêmicas mediáticas.

Abaixo, segue um vídeo interessante feito por Christian Askeland; no vídeo, ele explica detalhadamente, de maneira acessível, três características do fragmento que apontam para a possibilidade de falsificação. O vídeo é muito bom, pois, é bastante ilustrativo e exemplificado, além de ter sido feito visando o público em geral, e não especialistas. Portanto qualquer um que entenda inglês consegue entender. 




quarta-feira, 26 de setembro de 2012

O 'Evangelho da Esposa de Jesus' parte 3

Pouco mais de uma semana depois do anúncio de Karen King no X Congresso Internacional de Estudos Coptas, as reações de estudiosos dos mais diversos campos de estudo do cristianismo primitivo quanto à autenticidade do suposto fragmento continuam a se multiplicar. 
As primeiras reações negativas quanto à autenticidade do fragmento foram informais, ainda nos corredores do Instituto Patrístico Augustinianum, e podem ser conhecidas no nosso post da semana passada
Alguns dias depois, ainda durante o Congresso Copta, alguns estudiosos manifestaram suas dúvidas em relação ao caráter autêntico do fragmento em entrevistas a agências de notícias internacionais; o professor Francis Watson publicou na internet um curto artigo apontando evidências de falsificação moderna. Tanto as reações de alguns estudiosos via agências de notícias quanto o artigo de Francis Watson podem ser conhecidos por meio do nosso post do dia 21 de setembro.

Desde então, outros estudiosos se manifestarem, todos eles duvidam da autenticidade do fragmento e argumentam que se trata provavelmente de uma falsificação moderna. Ontem,  Gesine Robinson enviou um e-mail a vários estudiosos com alguns comentários e evidências que poderiam demonstrar que se trata, de fato, de uma falsificação; o e-mail me foi encaminhado pelo meu co-orientador, Paul-Hubert Poirier. Além de fornecer 10 evidências que apontam para uma fraude, Gesine Robinson ainda lamenta profundamente a "nova tendência" adotada por alguns estudiosos em guardar segredo sobre a descoberta de novos manuscritos antigos, ao invés de procurar a ajuda da comunidade acadêmica para decifrar, datar e publicar o documento. Vale lembrar que o anúncio de King no Congresso Copta, coincidiu com a publicação de uma matéria no NY Times; ou seja, ela preferiu os holofotes da mídia de massa para anunciar a descoberta, ao parecer de estudiosos propriamente ditos. Algo semelhante aconteceu no caso do Evangelho de Judas, cujo conteúdo ficou restrito a alguns estudiosos contratados pela National Geographic até a publicação do texto, que foi lançado por meio de um documentário sensacionalista.

Hoje, foi a vez de Alin Suciu e Hugo Lundhaug publicarem um texto no site do próprio Alin com mais questionamentos sobre a autenticidade do fragmento. O texto é muito bem explicado e, creio eu, pode ser entendido por qualquer um que consiga ler inglês. Ele pode ser visualizado aqui.

As evidências de falsificação continuam se multiplicando.

A notícia mais "fresquinha" sobre essa questão diz que a Harvard Theological Review decidiu barrar a publicação do conteúdo do fragmento, devido, exatamente, às dúvidas levantadas pela comunidade acadêmica quanto a sua autenticidade. Quem deu a notícia foi Greg Evans.     






sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Mais sobre o 'Evangelho da esposa de Jesus'

Pude acompanhar nos últimos dias uma avalanche de reações negativas de estudiosos em relação à autenticidade do fragmento apresentado por Karen King no X Congresso da Associação de Estudos Coptas.
O seguinte artigo publicou trechos de entrevistas com alguns especialistas que estavam presentes à conferência de King em Roma, entre eles, meu amigo, Alin Suciu, e meu professor de copta, Wolf-Peter Funk:
http://www.ajc.com/news/ap/top-news/harvard-claim-of-jesus-wife-papyrus-scrutinized/nSFRz/


Alin está convencido de que se trata de uma falsificação.

Stephen Emmel disse que "há algo nesse fragmento, em sua aparência e na gramática do copta, que me impressiona  como algo que de alguma maneira não é totalmente convincente".

Sobre o conteúdo do fragmento, Funk disse algo como "há milhares de sobras de papiros onde você acha essas coisas malucas. Pode ser qualquer coisa". Ele fazia referência ao fato de o fragmento ser tão pequeno e fora de contexto, o que praticamente impossibilitaria sua interpretação.

Vários estudiosos também chamaram atenção para o fato de o fragmento conter trechos que são praticamente paralelos exatos de escritos conhecidos do público em geral, como o Evangelho de Tomé. Tais paralelos são tão exatos que passam a impressão de que foi feito uma espécie de "bricolagem", que o autor(a) escolheu a dedo o que ia copiar no fragmento.

Quem lê inglês e conhece um pouco de copta, pode ler o pequeno artigo, bastante elucidativo, escrito pelo prof. Francis Watson, da Universidade de Durhan, Reino Unido.

O artigo pode ser visualizado em pdf aqui

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

O Evangelho da Esposa de Jesus

O Evangelho da Esposa de Jesus, assim Karen King, professora de Harvard, nomeou um suposto novo fragmento copta que ela mesmo tornou público na última terça-feira, em Roma, no Congresso Internacional de Estudos Coptas. Como não lembrar do Evangelho de Judas, cuja existência foi anunciada no mesmo Congresso, em 2004, por Rodolphe Kasser.
Ainda não conheço as medidas exatas do fragmento, mas uma foto dele pode ser visualizada numa reportagem do New York Times. O fragmento em questão tem oito linhas e nele podem ser lidas partes de frases atribuídas a Jesus potencialmente polêmicas como "Jesus lhes disse: 'minha esposa...'" e "ela será capaz de ser minha discípula...".

São muitas as questões a serem consideradas. Comecemos pelo anúncio feito por Karen King e a questão relativa ao fato de o manuscrito ser uma falsificação ou não. 

Dois estudiosos que eu conheço muito bem, meu orientador ,Louis Painchaud, e o meu colega, Alin Suciu, estão em Roma no Congresso de Estudos Coptas e tiveram a oportunidade de assistir ao vivo à conferência da professora King. O professor Painchaud disse hoje de manha, via facebook, que King não pôde mostrar fotos do dito fragmento durante a conferência por problemas técnicos; segundo ela, seu computador havia pifado durante o vôo que a levou a Roma. Obviamente, a primeira reação dos estudiosos presentes foi pedir para ver o fragmento, o que só se tornou possível depois da conferência. A reação dos estudiosos presentes foi mais ou menos a mesma: 
1- A caligrafia é extremamente peculiar e nenhum dos presentes jamais tinha visto esse tipo de escritura e letra num manuscrito copta;
2- A forma do fragmento e suas bordas não correspondem ao que se vê normalmente em um fragmento copta antigo; as bordas são muito regulares, o "corte" muito reto.
Vejam abaixo fotos de alguns fragmentos do Codex I de Nag Hammadi, do séc. IV. Comparem com a foto da reportagem do NY Times e notem as diferenças. Vejam como as bordas dos fragmentos de Nag Hammadi são muito mais irregulares.



3- O conteúdo do suposto fragmento parece ter sido feito sob medida, para satisfazer os anseios do grande público sobre questões que já renderam muita discussão, livros e dinheiro, a suposta relação conjugal entre Maria Madalena e Jesus, e a possibilidade de terem existido "discípulas" de Cristo. É interessante notar também que a própria Karen King é responsável por várias pesquisas, estudos e livros relativos aos temas citados; ela escreveu muito sobre Maria Madalena e sobre o papel da mulher no cristianismo antigo. Seria, portanto, uma grande coincidência que esse fragmento tenha caído justo nas mãos dela. 
4- Ainda segundo o professor Painchaud, o que circulava nos corredores do Congresso Copta sobre o tal fragmento, e que definia bem a posição dos estudiosos presentes, resumia-se à seguinte frase: "It is a fake", em português, algo como "É uma falsificação".

Ainda é muito cedo para definir se de fato é uma falsificação ou não; de qualquer modo, se for esse o caso, eu arriscaria dizer, em conformidade com o que se anda dizendo no Congresso, que King não seria a autora de tal falsificação, mas a vítima (na linguagem de internet, poder-se-ia dizer que ela foi "trolada"). Como não lembrar do famoso caso do Evangelho Secreto de Marcos, que acabou com a reputação de Morton Smith.

King ainda teria sugerido que o fragmento dataria do séc. IV. Ora, é praticamente impossível datar com tanta precisão um fragmento copta. A maneira mais segura de datar um manuscrito antigo ainda é a paleografia; infelizmente, a  paleografia copta ainda é muito incipiente, e a menos que o fragmento, o manuscrito ou o codex contenham uma data escrita pelo escriba, a datação é especulativa. Portanto, nada, absolutamente nada nesse momento, pode garantir que o fragmento seja efetivamente do séc. IV. Isso se considerarmos que ele é verdadeiro, o que, pelo visto, não  é tão evidente assim.

Alguns meios de comunicação brasileiros publicaram reportagens sobre o fragmento dizendo que se tratava de um manuscrito do séc. II. Seguem os links abaixo:
http://noticias.uol.com.br/ciencia/ultimas-noticias/reuters/2012/09/18/texto-em-pedaco-de-papiro-sugere-que-jesus-foi-casado.htm

http://noticias.terra.com.br/ciencia/noticias/0,,OI6163867-EI8147,00-Fragmento+de+texto+do+seculo+II+fala+em+mulher+de+Jesus.html

Ora, a língua copta escrita não existia antes do fim do séc. III, logo, qualquer manuscrito ou fragmento em copta é necessariamente posterior a essa data. No caso do primeiro artigo, o do portal UOL, eles corrigiram a suposta data depois de um comentário meu.

Muitos estão me perguntando sobre o conteúdo do fragmento, se isso mudaria algo nas crenças sobre Jesus. É claro que não. Mesmo se considerarmos que o fragmento é verdadeiro, trata-se de um texto tardio que não pode, de maneira alguma, ser considerado fonte fidedigna para o estudo de Jesus, sua época e dos personagens que o cercaram. Trata-se, no entanto e provavelmente, de uma tradição tardia acerca de Jesus. Mas é sempre difícil explicar isso às pessoas. Como diz o velho ditado, " a primeira impressão é a que fica". Portanto, pouco importa o que seja dito pelos especialistas - e digo isso por experiência própria, vivida nos casos do Código da Vinci e do Evangelho de Judas - a polêmica está lançada e a maioria das pessoas já tem idéia formada sobre o assunto.
Por fim, vale lembrar que a idéia de uma esposa de Jesus não é inédita na tradição apócrifa copta; outros textos, como o Evangelho de Filipe falam do assunto. Mas essa relação conjugal é sempre apresentada como uma relação espiritual, nunca como uma relação humana ou carnal. Mais detalhes sobre essa questão podem ser visualizados numa conferência que apresentei em 2006.

Enfim, muita água ainda vai passar por debaixo dessa ponte. Ainda vamos ouvir muita coisa sobre esse tal fragmento. Ficarei atento e assim que as novidades forem surgindo, eu posto aqui no blog. 


sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Nota de falecimento: Marvin Meyer

Estive de férias durante as três últimas semanas do mês de agosto e, durante esse período, fiquei sabendo por meio do perfil de amigos do facebook do falecimento do estudioso do cristianismo primitivo Marvin Meyer.
Não posso negar que o falecimento de Meyer foi uma surpresa, pois, ele era relativamente jovem - morreu aos 64 anos - e parecia estar "bem conservado". O que eu não sabia, porém, é que ele tinha um melanoma, que acabou causando seu falecimento. Ele faleceu no dia 16 de agosto de 2012.
Meyer ficou conhecido do grande público por suas publicações e trabalhos sobre textos potencialmente polêmicos, como o Evangelho de Tomé e o Evangelho de Judas. Ele foi um dos principais colaboradores da National Geographic na edição do Evangelho de Judas e o grande defesor da tese - tão criticada nesse blog e por diversos outros estudiosos no mundo inteiro - segundo a qual o texto em questão apresentava um Judas herói.
Talvez, um dos grande méritos de Meyer seja a popularização e vulgarização do chamado gnosticismo e da Biblioteca de Nag Hammadi. É importante dizer, no entanto, que esse trabalho de vulgarização e popularização realizado por Meyer muitas vezes causou desconfiança na maioria dos estudiosos da áera.
Quem me conhece sabe que, academicamente, eu nunca fui um fã do trabalho dele; mas isso não significa que eu não lamente sua morte.

Mais informações sobre esse estudioso americano, bem como um panorâma de suas publicações e trabalhos, podem ser obtidas em seu site, atrelado ao site da Chapman University, clicando aqui.

sexta-feira, 30 de março de 2012

Codex Bazae

Para quem se interessa, o Codex Bazae, um dos mais célebres códices bíblicos da antiguidade, está disponível na página da Cambridge Digital Library em imagens de alta qualidade.
Eis o link:


Fiquei sabendo da notícia por meio do colega Serge Cazelais.  

segunda-feira, 19 de março de 2012

A História de José, o carpinteiro

Ícone copta representando São José e
o Menino Jesus.
Como a Tradição Latina comemora a memória de São José, o pai adotivo de Jesus, no dia 19 de março, resolvi escrever um pouco sobre o apócrifo conhecido como A História de José, o carpinteiro.

O texto é muito provavelmente uma composição tardia, nada indica que seja anterior ao séc. V; existem duas versões do texto, até onde sei, uma em copta e outra em árabe. Aliás, o texto foi composto no Egito. Como se trata de uma composição deveras tardia, não se pode atribuir-lhe nenhum rigor histórico. Mas o texto é interessante por demonstrar o caráter arcaico de algumas crenças e devoções dos cristãos antigos. A mais notável é provavelmente a própria devoção a São José. Se alguém se deu ao trabalho de compor uma obra literária colocando José em evidência, como personagem e exemplo, é porque o considerava digno de tal. Assim sendo, o texto traz evidências de uma devoção a São José já nos primeiros séculos de cristianismo.

O texto é igualmente interessante por oferecer uma resposta, digamos, peculiar e alternativa para a questão dos "irmãos de Jesus", citados nos Evangelhos canônicos e em alguns apócrifos, como o Primeiro Apocalipse de Tiago de Nag Hammadi e do codex Tchacos. A resposta tradicional para a questão dos irmãos de Jesus diz que a palavra "irmãos" é usada para designar. graus de parentescos diversos, como primos, por exemplo. O Primeiro Apocalipse de Tiago oferece uma outra resposta, sugerindo que a fraternidade é meramente espiritual, como sugere a passagem na qual Jesus diz para Tiago que "eu te chamei de irmão, mas não es meu irmão segundo a carne".

A História de José, o carpinteiro conta que José era já um ancião, 90 anos, quando recebeu a missão de ser o responsável por Maria. José seria viúvo, e teria tido em seu primeiro casamento 4 filhos (Judas, Justus, Tiago e Simão) e duas filhas (Assia e Lídia). Seriam exatamente esses os "irmãos de Jesus" aos quais fazem referência os Evangelhos canônicos e outros textos antigos. O texto enfatiza, portanto, a virgindade perpétua de Maria, e utiliza materiais provindos, muito provavelmente, do Proto-evangelho de Tiago.

O texto também fala de modo extenso da morte de José, dizendo que ele viveu milagosamente até a idade de 111 anos, ao estilo dos patriarcas do Antigo Testamento, poder-se-ia dizer. 

Talvez a História de José, o carpinteiro seja um dos responsáveis pela origem da tradição iconográfica que procura retratar José como um ancião, em contraste com a juventude da Virgem; uma maneira de colocar em evidência, de maneira piedosa, a virgindade perpétua da própria Maria e a castidade fiel do próprio José.

Em 2011, meu amigo Alin escreveu um post sobe novos fragmentos do texto em questão em seu blog.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Mais sobre "a possível descoberta do mais antigo fragmento do Novo Testamento"

Foto verídica do tal fragmento do Evangelho de Marcos ou falsificação?
Essa foto tem circulado na internet nos últimos dias. Alguns chegaram a afirmar que se trataria da foto do tal fragemento sobre o qual falamos no post anterior. No entanto, outros estão dizendo que o fragmento em questão não é o dito cujo; outros ainda dizem que se trata de uma falsificação. 


Ou seja, como vocês podem notar, há muito "blá, blá, blá" e "ti ti ti", e pouca informação precisa e confiável. Até agora, por exemplo, não consegui descobrir de onde viriam os supostos fragmentos, onde foram descobertos, etc. Se alguém souber, por favor, me avise.

Continuo achando que a melhor atitude em relação a isso é a prudência. Não vou dizer que  se trata de uma falsificação, mas também não vou acreditar. O tempo dirá se o tal fragmento existe de fato e se é verdadeiro.

Questionamentos em relação à datação também já começam a surgir na internet, principalmente em blogs de estudiosos e de estudos bíblicos. Primeiramente, esqueçam o tal do "carbono 14"; esse método não é preciso o suficiente para datar um manuscrito antigo. O melhor método para se saber a data de um manuscrito antigo ainda é a paleografia. Não conheço muito do assunto, mas pelo que andei perguntando a alguns de meus professores, é muito difícil afirmar categorigamente que um fragmento tão pequeno provenha do séc. I.

Qualquer nova informação eu posto aqui no blog. Algo me diz que ainda vamos ouvir muito sobre esse assunto até a Páscoa....


terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

A possível descoberta do mais antigo fragmento do Novo Testamento

Nas últimas semanas, algumas notícias sobre a descoberta de novos fragmentos do Novo Testamento têm circulado na internet. Tenho acompanhado a discussão por meio da página do software Bibleworks no facebook. Alguns sites, como o Center for the Study of New Testament Manuscripts também têm abordado o assunto.

Segundo as notícias, sete novos papiros do Novo Testamento teriam sido descobertos, segundo análises paleográficas, seis deles datariam do séc. II e um do séc. I. O papiro do séc. I conteria uma passagem do Evangelho de Marcos. 

Se a notícia se confirmar, seria uma descoberta e tanto. Esse seria o mais antigo fragmento do Novo Testamento conhecido, já que até então, o mais antigo é o  Papiro Ryland P52, que contém um fragmento do Evangelho de João do início do séc. II.

No entanto, é sempre bom ter um pouco de prudência em relação a esse tipo de notícia, ainda mais se levarmos em conta alguns dos estudiosos envolvidos na divulgação; alguns deles dedicaram mais tempo nos últimos anos a polêmicas do que a trabalhos acadêmicos.
Além do mais, vale lembrar que estamos nos aproximando da Páscoa, e a imprensa adora divulgar esse tipo de notícia nessa época, quando as pessoas estão mais suscetíveis a assuntos religiosos. É só lembrar do Evangelho de Judas, publicado na Semana Santa de 2006, ou o caso esdrúxulo do "Túmulo de Jesus", divulgado pelo Discovery Chanel no mesmo período do ano seguinte.  

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

X Congresso Internacional de Estudos Coptas

O X Congresso Internacional de Estudos Coptas acontecerá em Roma nos dias 17-22 de setembro de 2012.
A sessão de abertura, na segunda dia 17, acontecerá na Universidade Sapienza de Roma; o restante do congresso (do dia 18-22) acontecerá no Institutum Patristicum Augustinianum e na Biblioteca do Vaticano.
Estudiosos renomados como Gregor Wurst e James E. Goehring, por exemplo, apresentarão relatórios sobre o desenvolvimento das pesquisas relativas à coptologia no período de 2008-2012. Wurst, conhecido por seu trabalho na edição crítica do Evangelho de Judas , fará um relatório sobre os estudos relativos ao gnosticismo e maniqueismo; Goehring, um dos mais renomados especialistas em monasticismo copta, fará um relatório exatamente sobre o assunto em questão.
O cômite organizador do congresso é formado pelos professores Paola Buzi, Tito Orlandi e Alberto Camplani.

Mais informações podem ser obtidas no site do evento.