sexta-feira, 20 de março de 2009

O Evangelho de João: o mais "gnóstico" dos evangelhos canônicos?

Esses dias estava pesando exatamente nessa pergunta que dá título a esse post.
Um colega me fez uma pergunta no último seminário interno do PEJ citando que o Evangelho de João é tido como o o mais "gnóstico" dos evangelhos canônicos (as aspas se devem, entre outros fatores, ao fato de aquilo que chamamos de gnosticismo ainda não existir na época de composição do Evangelho de João). Sim, muitos já disseram isso, mas eu discordo. Refletindo, cheguei à conclusão que uma leitura e análise profunda do Evangelho de João não podem suportar tal teoria.
Mas por que? Bom, vamos lá.
Em seu clássico livro The Gnostic Religion, publicado em 1958 nos EUA, Hans Jonas define que o principal traço daquilo que se convencionou chamar de gnosticismo é a diferenciação entre o Deus Supremo e bom do criador do mundo material; ou seja, O criador do mundo material, também chamado de Demiurgo, não é o Deus supremo, o Pai de Jesus. Nas últimas décadas, muitos textos que não fazem, nem de longe, essa diferenciação, foram erroneamente rotulados de gnósticos.
Ora, qual é um dos principais traços distintivos do Evangelho de João? Uma das coisas que o tornam diferentes dos demais canônicos: ele é o único a afirmar claramente a divindade de Jesus (não que os outros evangelhos digam que Jesus não é Deus, mas se dizem que Ele o é, o fazem de maneira discreta, velada); é esse um dos principais objetivos do Evangelho de João: atestar a divindade do Cristo (exemplos: "Eu e o Pai somos um"; "E o Verbo era Deus...e o Verbo se fez carne" etc....).
Bom, o Evangelho de João diz claramente que Jesus é Deus e o prefácio desse próprio evangelho identifica a criação com o Verbo, dizendo que tudo foi criado por meio d'Ele; ora, se o Verbo participa da criação, não podemos considerar que o Evangelho de João acredite na existência de duas divindades, a suprema e a criadora do mundo material, mas numa só divindade, que é boa, eterna e também criadora do mundo e não tem absolutamente nada de gnóstico nisso; muito pelo contrário, é a antítese do gnosticismo; parece complicado, mas é bem simples.
Afirmar que o Evangelho de João é o mais "gnóstico" dos evangelhos canônicos, portanto, simplesmente não faz sentido.
Agora, que alguns elementos presentes no Evangelho de João possam ter influenciado na posterior elaboração daquilo que chamamos de "doutrinas gnósticas" é perfeitamente possível, mas isso já é uma outra história....