segunda-feira, 26 de julho de 2021

Santana e São Joaquim e o dia dos avós


No dia dos avós, que é celebrado hoje por causa da festa litúrgica de Santana e São Joaquim, os avós de Jesus, um breve vídeo no nosso canal do YouTube explicando alguns dados da Tradição sobre esses santos. 



Para mais detalhes, leia o texto aqui do blog sobre o Proto-evangelho de Tiago

https://raizesdocristianismo.blogspot.com/2011/07/ana-mae-de-maria-e-tradicao-apocrifa-e.html

 

segunda-feira, 26 de abril de 2021

A fome do início do séc. XIV e a Peste Negra.

fome do início do séc. XIV e a Peste Negra.

Versão em texto da aula de Baixa Idade Média 

 

Introdução

A Peste Negra começou a afetar o velho mundo (Europa e Ásia) principalmente no séc. XIV, ou seja, já rumando para os momentos finais do período que nos interessa aqui, a Baixa Idade Média. Junto com a “gripe espanhola”, a Peste Negra – também conhecida como “Peste Bubônica” é a mais famosa epidemia da história da humanidade. Aliás, a própria existência dessas duas epidemias demonstra que o que estamos vivendo agora – a pandemia da COVID-19 – não é nenhuma novidade na história da humanidade. A diferença de hoje é que as pessoas podem viajar de um continente a outro em algumas horas, o que aumenta a capacidade e velocidade de expansão das doenças e faz com que elas atinjam em alguns meses ou até semanas uma escala global. Além disso, nunca tanta gente viveu aglomerada em cidades, o que também facilita a contaminação.

Por outro lado, a ciência e a medicina de hoje são muito mais avançadas do que nos séculos anteriores, e permitem ações de prevenção e combate às epidemias que antes sequer poderiam ser cogitadas. Por exemplo, as noções de higiene e sanitárias que começam a surgir no séc. XIX ajudam muito na contenção da expansão das epidemias. Antes disso, as pessoas não sabiam exatamente como acontecia os contágios das doenças e a prevenção era, portanto, praticamente inexistente. Como as pessoas não viam os vírus e bactérias, elas sequer sabiam que esses organismos existiam, logo, sequer cogitavam a adoção de medias simples que nos ajudam a prevenir o contágio hoje, como lavar as mãos e passar álcool gel.

Além disso, em muitos momentos da história da humanidade, principalmente nos ambientes urbanos, não existia qualquer indício daquilo que consideramos hoje saneamento básico e muito menos água potável. As casas ficavam muito perto uma das outras, tento ruas e vielas pouco espaçosas e com pouca ventilação; principalmente nos locais mais pobres, não havia sequer calçamento. Não havia rede de recolhimento e tratamento de esgoto, era tudo a céu aberto; e as pessoas não podiam tomar banho com frequência. Os romanos foram precursores em algumas noções de saneamento, já que possuíam latrinas e banhos públicos; mas, mesmo assim, algo ainda longe das noções que temos hoje de higiene e saneamento básico.

Todas essas condições precárias eram altamente favoráveis para a proliferação de vírus e bactérias, além de serem favoráveis ainda à proliferação de parasitas e hospedeiros. Esse último aspecto foi particularmente importante para a expansão e mortalidade da Peste Negra, já que ela era basicamente transmitida por pulgas de ratos. Obviamente, em ambientes urbanos tão insalubres e com tanta matéria orgânica em decomposição, os ratos se proliferavam à vontade. E essa era a grande dificuldade de se combater a proliferação da própria Peste Negra.         

Mas, como dito anteriormente, outras grandes epidemias assolaram a humanidade ao longo da história – ou povos específicos – além das conhecidas Peste Negra e Gripe Espanhola. Na Antiguidade, por exemplo, teve lugar a chamada “Praga Antonina” ou “Peste Antonina” – que recebeu esse nome por ter acometido o Império Romano durante a dinastia dos antoninos. É provável que os imperadores Lucio Vero (+169) e Marco Aurélio (+180) tenham sido vítimas mortais dessa praga. Os sintomas dessa doença eram febre, erupções cutâneas e diarreia. Os relatos de alguns historiadores da Antiguidade sobre essa peste servem como fontes primárias; dentre eles, pode-se destacar Aminiano Marcelino, Dião Cássio, Eutrópio e Cláudio Galeno. Calcula-se que ela tenha feito cerca de 5 milhões de vítimas mortais, com uma taxa de mortalidade em torno de 25%; Dião Cássio dizia que só em Roma, morriam cerca de 2 mil pessoas por dia. O historiador Rafe de Crespgny[1] estima que a peste antonina tenha se originado na China, no séc. II a.C., durante a dinastia Han. É provável que tenha entrado em Roma por meio do exército, durante o cerco a Selêucia - entre 165-166 – se espalhando depois pelas legiões ao longo do Rio Reno e depois por todo o império. É bastante provável que essa peste tenha sido responsável pelo enfraquecimento do exército romano e do próprio Império, estando na origem da crise que iria se acentuar no século seguinte.   

Na Antiguidade Tardia, durante o reinado do Imperador Justiniano (527 a 565), o Império Bizantino também foi assolado por uma peste cujos sintomas se assemelhavam aos da Peste Negra. É possível, portanto, que a peste justiniana tenha sido a primeira onda da Peste Bubônica. A epidemia teve seu auge nos anos 541-544. Apesar de ter muito provavelmente surgido na China, teria chegado ao Império Bizantino vindo com as pulgas dos ratos que entravam nas embarcações de grãos vindos do Egito e eram distribuídos em vários locais do império. Era transmitida pelas pulgas dos ratos, que continham a bactéria Yersinia pestis. Calcula-se que tal peste tenha sido responsável por matar cerca da metade da população da Europa; fala-se em dezenas de milhões de mortos e algumas estimativas chegam até a 100 milhões. Tanto no caso da Peste antonina quanto da peste justiniana, esses números são estimativas e não passam de estimativas.

Os antecedentes da Peste Negra: a fome de 1315

Ao final do séc. XIII e início do séc. XIV, a expansão e renascimentos comercial e urbano começavam a dar os primeiros sinais de desaceleração e estagnação. Depois do apogeu do séc. XIII: o século de grandes santos e personalidades (como o Papa Inocêncio III, e os santos Tomas de Aquino, Luís IX, Francisco e Domingos de Gusmão), das universidades, da filosofia tomista, do renascimento das cidades e do comércio; veio um período de estagnação. Nas palavras de Henri Pirenne “É também o momento em que a população deixa de crescer, e essa interrupção constitui o sintoma de maior significação do estado de uma sociedade estabilizada e de uma evolução que chegou ao apogeu”[2].

A partir de 1315, uma crise de alimentos acometeu a Europa e causou uma grande fome. Tal crise durou até o ano de 1317. Pirenne cita o exemplo da cidade belga de Ypres – na região de Flanders – onde o magistrado comunal mandou sepultar 2794 cadáveres, entre os meses de maio e outubro de 1316. Se levarmos em conta que a população da cidade girava em torno de 20 mil pessoas, nesse intervalo de 6 meses, mais de 10% da população morreu. A grande fome foi causada por chuvas acima da média na primavera e verão de 1315; as fortes chuvas mantiveram as temperaturas baixas e impediram que as sementes germinassem, e isso afetou gravemente as colheitas, que foram muito ruins. A escassez de grãos fez com que os preços subissem.

Diante da escassez crônica de alimentos, buscou-se alternativas que só pioraram a situação depois: matou-se para comer animais de reprodução e se consumiram os grãos reservados para o plantio dos anos seguintes. Crianças foram abandonadas – realidade ilustrada, por exemplo na estória de João e Maria – e negava-se comida aos idosos para que os jovens tivessem o que comer e se preservasse as gerações futuras. Há ainda crônicas que relatam episódios de canibalismo. Toda a população sofreu, mas os camponeses (cerca de 90% da população), foi o segmento que mais padeceu. A crise alimentar atingiu principalmente as regiões do norte da Europa, como a atual Grã-Bretanha, o Sacro-Império, o norte da França, Escandinávia e os Países Baixos. E atingiu indiretamente outras áreas da Europa. Mas outras regiões foram indiretamente afetadas por fazerem fronteiras com esses países.

As condições meteorológicas começaram a voltar ao normal em 1317. Mas a reserva de grãos para o plantio era tão baixa (quase inexistente) que a Europa só pode voltar aos níveis normais de produção de alimentos por volta de 1325. O problema é que essa Europa já enfraquecida estava prestes a enfrentar uma crise ainda maior, que, cerca de 30 anos mais tarde, entre 1347 e 1350, iria ceifar cerca de 1/3 de sua população.

 

A Peste Negra

A Pandemia da Peste Negra foi a mais fatal da História e atingiu não somente a Europa, mas também a Ásia; estima-se que juntando os dois continentes a pandemia em questão tenha causado a morte de 75 a 200 milhões de pessoas. Como visto, a Peste Negra chegou a uma Europa que já estava enfraquecida e debilitada: além da grande fome de 1315-1317, a população de modo geral era subnutrida: não havia grande variedade de alimentos e, obviamente, nenhum tipo de controle nutricional. As condições de vida eram precárias e a esperança de vida geralmente não passava dos 40 anos.

Além disso, o séc. XIV foi marcado por muitas guerras entre os países, reinos, ducados e feudos da Europa. Pirenne, por exemplo diz que: “A essas calamidades devidas à natureza, a política acrescentou outras de idêntica crueldade. A Itália, durante todo o século, foi dividida por lutas civis. A Alemanha foi presa de uma anarquia política permanente. A Guerra dos Cem Anos, enfim, e principalmente, arruína a França e esgota a Inglaterra”[3]. De fato, a Peste Negra chega a seu pico durante a primeira fase da Guerra dos Anos que se aconteceu entre 1337-1350. 

Após o séc. XIV, a Peste Negra não chegou a desaparecer na Europa completamente; ela ia e voltava em ondas epidêmicas, menos fortes, no entanto. O que acontecia é que a peste acabava por contaminar a maioria da população; os que não morriam ficavam imunes; depois de algumas gerações, os indivíduos imunes já não existiam mais e a peste voltava a aparecer numa nova onda epidêmica. A Peste só chegou a desaparecer no início do séc. XIX, quando o problema passou a ser a cólera. Os sintomas eram: tosse com sangue, dores musculares, principalmente no abdômen, inchaço dos gânglios linfáticos (que causavam bolas e manchas na pele, muitas vezes de cor escura), principalmente na virilha e axilas, febre e calafrios, dores de cabeça, náuseas e vômitos, dentre outras coisas.

O que causa a doença é a bactéria Yersinia pestis; o hospedeiro é uma espécie de pulga de roedores (Xenopsylla cheopis); geralmente, os roedores são geralmente ratos pretos indianos (Rattus rattus); mas a doença pode ocorrer por meio de outros roedores; há relatos – raros – de seres humanos que pegaram a doença por terem contato direto com o sangue de roedores silvestres. O rato preto – hoje raro – não foi o responsável por trazer a peste para a Europa, mas como ele tinha hábitos naturais mais dóceis, ele não tinha medo de se aproximar dos humanos. A partir do séc. XVIII, os ratos pretos foram sendo suplantados pelos ratos cinzentos (Rattus norvegicus), mais ariscos e que se aproximam menos dos humanos; isso provavelmente ajudou a peste a desaparecer da Europa.     

As origens

A Peste Negra provavelmente surgiu nas planícies áridas da Ásia, na China. Por meio da rota da Seda, ela foi se difundindo até chegar a região da Crimeia, atual  Rússia/Ucrânia.Foi provavelmente trazida para a Europa pelos mongóis, que sob o comando de Gêngis Khan estabeleceram um império que ia desde a Manchuria, na China, até a Ucrânia. Por meio da rota da Seda, a onda epidêmica se espalhou de maneira generalizada e rapidamente, da Ásia Central até a Europa, passando pelo Oriente Médio.

Durante o cerco mongol da colônia genovesa de Caffa – no séc. XIV – foi que a epidemia entrou na Europa: após 2 anos de cerco, os soldados mongóis começaram a ser contaminados pela peste e os cadáveres dos mortos foram lançados para dentro das muralhas de Caffa por meio de catapultas. A epidemia tomou conta da cidade e se diz que foram tantos óbitos que os corpos precisavam ser queimados, por não haver como enterrar a todos. Diante da situação catastrófica, vários genoveses fugiram de navio de Caffa, muitos deles já infectados, morreram no caminho e os navios ficaram cheios de cadáveres. Além disso, ratos pretos também entravam nesses navios e acabavam fazendo a viagem.  

Quando os navios aportavam em alguma cidade, os ratos escapavam e se espalhavam pela própria cidade, cuja população passava a ficar infectada. Isso ajuda a explicar porque mesmo as cidades que não permitiam que os marinheiros dos navios infectados saíssem dos navios foram infectadas. Com o tempo, as pulgas infectadas dos ratos que saiam dos navios acabavam infectado também os ratos locais, e isso aumentava a epidemia. O primeiro porto onde os navios genoveses aportaram foi Constantinopla, em maio de 1347; logo depois rumaram para a Itália: Messina (setembro) e Gênova (novembro). E no mesmo mês, chegaram ao sul da França.

A partir dessas localidades mediterrânicas, a epidemia se espalha por toda a costa do mar Mediterrâneo em cerca de 1 ano. No ano seguinte chega à Grã-Bretanha e Portugal e 3 anos depois, 1350, já tinha atingido a Escandinávia. Algumas cidades e regiões foram inexplicavelmente poupadas, como Milão e a Polônia.

A quantidade de mortes por causa da peste – num curto período de tempo – foi tão grande que muitas vezes não se conseguia sepultar todo mundo. Foram necessárias as construções de novos cemitérios. Alguns autores nos deixaram relatos sobre a peste, dentre eles, Giovanni Boccacio e Guy de Chauliac, médico do Papa Clemente V. Na época da primeira onda epidêmica, o papado estava instalado em Avignon, na França, no episódio que ficou conhecido como “Exílio em Avignon” (1309-1377), causado em grande medida pelas tentativas de intervenção de Felipe, o Belo, nos assuntos da Igreja. Durante o período da primeira onda epidêmica, o Papa foi Bento XII (1342-1352) destacou-se por prestar socorro físico e espiritual aos doentes da peste principalmente em Avignon. Ele também se destacou na proteção aos judeus, injustamente acusados de serem os responsáveis pela peste.

Os médicos

Um personagem ao mesmo tempo conhecido e lendário da Peste Negra foi o médico. Obviamente, os médicos não podiam fazer muita coisa nem na prevenção nem no tratamento da doença, limitados pelo conhecimento e tecnologia da época. Na maioria das vezes, provavelmente apenas prestavam cuidados paliativos e de alívio aos doentes e lidavam com os corpos dos mortos. Mesmo assim, eram heroicos e se expunham ao contato com os infectados, mesmo sem saber direito como se dava a infecção. Adotavam roupas, máscaras e longas facas, que usavam para cortas os bulbões linfáticos e aliviar dores. E também bastões, para revirar os corpos e evitar contato direto com eles. No entanto – ao contrário do que muitos pensam – aquela famosa e mórbida vestimenta negra com a máscara com o bico semelhante ao de um corvo não existia e não foi usada na primeira e mais famosa onda epidêmica da Peste Negra, a do séc. XIV. Aquela vestimenta e máscara só surgiram em 1619, inventadas pelo francês Charles Delorme, médico da família Medici.  



[1]A Biographical Dictionary of Later Han to the Three Kingdoms (23-220 AD). Leiden: E.J. Brill, pp 514-515.  

[2] História Econômica e Social da Idade Média. São Paulo: Editora Mestre Jou, 1973, p. 200.

[3] História Econômica e Social da Idade Média. São Paulo: Editora Mestre Jou, 1973, p. 201.