terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Fim de ano...

Bom, o pessoal tem reclamado da falta de atualização do blog ( e com razão)...
Mas sabem como é, fim de ano, festas...Além do mais, teve o III Seminário Interno do PEJ, que tomou muito do meu tempo, e meu casamento também. Então, creio que haja uma ou várias desculpas para o blog estar sem atualização há um bom tempo.
Mas enfim, aqui estou eu, no penúltimo dia do ano.
Gostaria de comentar brevemente o evento do PEJ. Foi ótimo! Há cada ano fica melhor. O Prof. Martin Goodman apresentou-nos duas conferências fenomenais sobre o tema do evento (As revoltas de 70 e 133 na Judéia). As mesas também foram ótimas.
Eu tive a honra de apresentar um mini-curso sobre os evangelhos gnósticos. As reações do público foram variadas, mas creio que positivas. Com certeza muitos foram a esse mini-curso esperando escutar coisas polêmicas, a "verdade" sobre a vida de Jesus e esse tipo de coisa que a imprensa e livros de vulgarização sobre o assunto divulgam. Em vez disso, encontraram um mini-curso "desmistificador"; um mini-curso que colocou os pretensos evangelhos gnósticos no seu devido lugar.
Enfim, eu não fiz nada de muito original, apenas apresentei para o público participante do Seminário os resultados das pesquisas de vários estudiosos e acadêmicos sérios que, por não estarem compromissados com a polêmica e sim com a seriedade, não têm tanto espaço na mídia e nas editoras de vulgarização.
Nos próximos posts eu tentarei resumir um pouco o conteúdo do mini-curso.
Feliz ano novo para todos!

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Agradecimetos

Gostaria, antes de mais nada, de agradecer as recentes e frutíferas participações do Guilherme e do Flávio.
Flávio e Guilherme, muitíssimo obrigado pela participação e pelos comentários de vocês.
Queria agradeder também o meu grande amigo fabrício. Essa noite ele dará uma breve palestra no Curso Superior de Teologia da Arquidiocese de Brasília, onde dou aula de Patrologia.
O Fabrício é especialista em St. Agostinho; o título da palestra é "Agostinho contra os maniqueístas".
Bom, depois eu escrevo mais aqui sobre o que o Fabrício nos falar hoje a noite.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Quando cristãos deixaram de ser judeus?

Bom, tentando então responder a pergunta do Guilherme, os estudiosos dizem que os cristãos separam-se efetivamente do judaísmo no fim do séc. I e início do II.
Como já foi dito, a primeira geração de cristãos era composta basicamente por judeus e esse judeus-cristãos continuaram a frequentar as sinagogas e seguir os preceitos judaicos. Como bem se sabe, algumas das epístolas paulinas, por exemplo, nos falam da polêmica questão da observância dos preceitos judaicos por parte dos cristãos convertidos do paganismo. Os Atos dos Apóstolos também tocam no assunto ao relatar aquilo que ficou conhecido como "Concílio de Jerusalém", no qual foi discutido principalmente a questão citada acima. A posição de Paulo era que os convertidos do paganismo não precisavam seguir as prescrições legais judaicas; e foi exatamente essa posição que aos poucos se impôs e os legalismos judaicos passaram a ser entendidos como elementos culturais. Portanto, como elementos culturais, é de se esperar que eles tenham continuado a ser praticados por muitos cristãos de origem judaica ao longo das décadas até mesmo do séc. II. Mas vejam bem, quando falo desses preceitos judaicos, não estou falando dos 10 mandamentos e da lei judáica em geral, mas de coisas mais específicas (quem quiser detalhes, leia o Pentateuco); a mais famosa era, sem dúvida, a circuncisão.
Enfim, a separação entre judeus e cristãos não foi algo oficial, aconteceu gradualmente. Não seria absurdo imaginar um cristão de origem judaica que continuava a frequantar a sinagoga mesmo no fim do sec. I ou início do II. Mas como as práticas ritualísticas cristãs eram diferentes das judaicas, o cerne ritual do cristianismo já não estava ligada a sinagoga e muito menos ao Templo, destruído em 70 d.C.
Outro fator é importante na diferenciação e separação de cristãos e judeus: o proselitismo. O proselitismo não era uma caracteristica forte do judaísmo, mas era, e continua sendo, fundamental no cristianismo. Os judeus estavam fechados em si, não queriam converter os pagãos, aliás, as correntes mais radicais impediam até mesmo o contato do judeu com pessoas de outras raças. Já no cristianismo, o contato com pagãos era inevitável, mais do que isso, era fundamental, uma resposta ao mandato de Cristo de levar a Boa Nova a todo o mundo.
Então, enquanto judeus permaneciam isolados, cristãos tomavam cada vez mais contato com pagãos e, com o passar do tempo, o que antes era um ramo do judaísmo era formado, em sua grande maioria, por não-judeus. E é nesse momento que o cristianismo começa a se diferenciar de fato do judaísmo. Agora, uma data exata não pode ser precisada.
Mas podemos ao menos estabelecer um ponto de referência: a Revolta de 70. O ódio dos judeus em relação aos romanos chegou ao seu clímax com a destruição do Templo e a ruína de Jerusalém em 70. Não obstante, os cristãos continuavam a evangelizar os romanos, mesmo tendo eles, ou o povo deles, destruído o Templo e a cidade santa. E isso foi um ultraje para os judeus não-cristãos. Talvez tenha sido ai que os cristãos começaram a ser expulsos das sinagogas.
Mas isso é tudo muito relativo, pois há indícios de que na segunda revolta da judéia, por volta de 130-133, ainda haviam cristãos judeus na Judéia; eles foram obrigados a seguir Bar Kochba, o lider judeu da revolta e quem não o fez foi perseguido e expulso.
Enfim, tem um texto interessante sobre essa questão da separação dos judeus e cristãos. Como não estou em casa nesse momento, não posso passar a referência, mas depois eu escrevo um comentário e isso se resolve.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Cristianismo nascente e judaísmo

Uma pergunta de um amigo, Guilherme Guth, levou a uma discussão saudável sobre as relações entre o cristianismo nascente, em suas primeiras décadas e o judaísmo. Ele me fez a pergunta por e-mail, mas vou responder aqui porque aí todos podem participar.
O Guilherme usou a palavra seita, apoiado na definição do dicionário Aurélio, para definir o cristianismo em relação ao judaísmo; o cristianismo, em seus primórdios, seria uma seita do judaísmo. Bom, primeira coisa, em geral, definições de dicionários de língua portuguesa não são utilizadas para discussões científicas. Basta ver, Guilherme, a definição de "mito" do mesmo dicionário Aurélio; ela não corresponde àquela aprendida em História Antiga I.
Um segundo ponto diz respeito ao seguinte: em geral, os especialistas evitam utilizar a palavra "seita" para se referir ao cristianismo, da mesma forma como se evita utilizá-la para, por exemplo, grupos hereges dos séculos II e III.
O mais comum é se referir ao cristianismo das primeiras décadas como uma ramificação do judaísmo, um tipo de judaísmo. Sabe-se por meio de diversas fontes que havia no séc. I vários tipos de judaísmo; por exemplo, fariseus e saduceus. Assim sendo, o cristianismo seria, mais uma espécie de judaísmo, mesmo porque praticamente toda a primeira geração de cristãos era formada de judeus (o próprio Jesus o era).
E de certa maneira, não era intenção de Jesus fundar uma nova religião, ele se apresentou como o cumprimento das promessas da antiga aliança. Ou seja, a partir de Jesus, para os judeus que o seguiram, o judaísmo só fazia sentido com o próprio Jesus. Com o passar do tempo, como muitos judeus não aderiram a Jesus, aqueles que o fizeram passaram a formar um grupo distinto. É claro que isso se deveu a uma série de outros fatores que podem ser tema do próximo post.
E só para terminar, o fato de haver separação religiosa clara entre cristãos e judeus pelos fins do séc. I e início do II não significa que houve separação social. Cristãos e judeus continuaram a conviver.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

III Seminário Interno do PEJ

Há um tempo eu falei aqui no blog do III Seminário Interno do Programa de Estudos Judaico-Helenísticos.
Bom, vou falar um pouco mais agora.
O Seminário ocorrerá entre os dias 26 e 28 de novembro, a partir das 8h, e todos estão convidados. O tema desse ano será "a revolta de 70 e a apocalíptica"; o convidado internacional está confirmadíssimo: O Prof. Martin Goodman, daUniversidade de Oxford, Fellow of the British Academy. Ele fará duas conferências.
Eu terei a oportunidade de apresentar uma comunicação e ministrarei também um mini-curso sobre os "evangelhos gnósticos". Como o evento, o mini-curso confere certificado.
Enfim, é uma oportunidade impar para quem se interessa por história da Bíblia, judaísmo e cristianismo antigos e temas afins.
Espero vocês lá!

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

O Concílio e o credo de Nicéia

O Concílio de Nicéia é um dos grandes marcos da história do cristianismo. Ele foi considerado o primeiro concílio ecumênico da história da Igreja e para ser entendido, dever ser analisado no contexto político-religioso da primeira metade do séc. IV, principalmente no que diz respeito às grandes controvérsias teológicas.
Aconteceu no início do séc. IV uma das mais terríveis perseguições aos cristãos, a perseguição de Diocleciano que posteriormente viria inclusive, a causar um cisma (tema para um post futuro); o sucessor de Diocleciano, porém, Constantino, tornou, por meio do famoso Edito de Milão, o cristianismo lícito. Se por um lado a licitude do cristianismo era um alívio para os cristãos, por outro começou a permitir uma gradual participação do império nas questões eclesiais, participação essa que iria, muitas vezes, transformar-se em verdadeira ingerência.
No que diz respeito ao caráter teológico, deve-se dizer que no início do séc. IV, a cidade de Alexandria, no delta do Nilo, Egito, assistiu ao surgimento de uma das maiores controvérsias da história do cristianismo: a controvérsia ariana. O arianismo, doutrina de Ário, na prática, negava a divindade de Jesus, recusando-se a lhe atribuir conceitos como “co-eterno” e “consubstancial ao Pai”. Como Ário e sua doutrina ganhavam cada vez mais adeptos, começou a surgir uma preocupação nos meios eclesiais do Egito e posteriormente do mundo. A primeira autoridade eclesial a reagir foi Alexandre de Alexandria.
No início da controvérsia, Constantino achava que toda a discussão tratava-se de um assunto intra-eclesial que não ultrapassaria os limites do Egito; mas ao chegar a Antioquia em 324, o imperador percebeu que a controvérsia já tinha transcendido as fronteiras egípcias e se espalhava por todo o mundo cristão, representando um perigo para a unidade da Igreja (e na cabeça de Constantino, um perigo para a unidade do império, na época, já majoritariamente cristão). Foi então convocado o Concílio de Nicéia (325).
No Concílio, destacaram-se as participações de Alexandre e seu secretário, Atanásio, que posteriormente viria a se tornar o Patriarca de Alexandria e o defensor por excelência da divindade de Cristo e o grande inimigo do arianismo.
No Concílio foi elaborado um símbolo, ou credo, no qual se afirmava detalhadamente a divindade do Cristo, atribuindo-lhe as expressões “co-eterno” (o que significava que ele é igualmente eterno ao Pai) e consubstancial (o que significava que ele tinha a mesma substancia do Pai, a substancia divina, logo, o Cristo é Deus).

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

O Codex Sinaiticus

Bom, mais uma vez, depois de muito tempo sem atualizar, aqui estou eu...
Semana passada recebi uma reportagem do meu primo Bruno e depois de um amigo, o Chico, falando do Codex Sinaiticus. O Codex em questão é um dos mais antigos códices bíblicos (juntamente com o Codex Vaticanus) que sobrevivram até os dias de hoje e data do séc. IV. Parte do códice será disponibilizado em fotos on-line, o que representa um enorme avanço para a pesquisa, afinal, edições fac-smiles são em geral muito caras. Serão disponibilizadas as 43 páginas do Novo Testamento que estão em Leipzig e algumas do Velho Testamento que estão na Biblioteca Britânica de Londres.
O Codex Sinaiticus foi encontrado no tradicional mosteiro de Santa catarina, no Monte Sinai em 1844 pelo alemão Konstantin von Tischendorf. Ao que tudo indica, os monges autorizaram o alemão a levar 43 páginas do codex, mas os monges atuais afirmam que as páginas em questão foram roubadas.
Essa história levanta uma questão interessante: nó séc XIX e início do séc. XX arqueólogos e estudiosos europeus e estadunidenses percorreram o Egito e oriente em geral em busca de artefatos e manuscritos antigos; os mosteiros egípcios foram o destino de muitos desses estudiosos. Ao chegarem nesses mosteiros, os estudiosos encontravam monges que falavam somente árabe, mas que tinham acesso a bibliotecas com dezenas, ou até mesmo centenas, de manuscritos antigos escritos em grego ou copta. O problema é que esses manuscritos antigos eram completamente inúteis para os monges, pois o copta e o grego, as línguas faladas pelos seus antecessores da antiguidade, já tinham caído em desuso; eles simplesmente não entendiam nada do que estava escrito em muitos desses manuscritos. Então, muitas vezes, esses manuscritos ficavam jogados, eram deixados de lado e não lhes era atribuida importância. Por isso, muitos monges autorizavam os estudiosos a levarem esses manuscritos, pelo simples fatos deles não servirem mais para suas leituras.
no próximo post eu vou tentar responder a difícil pergunta sobre apócrifos feita por uma pessao que se identificou como "dona sr. urtigão"

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Apócrifos II

Bom, acho que hoje poderiamos falar um pouco da pseudonímia, um recurso literário utilizado largamente na Antiguidade.
A pseudonímia consistia no seguinte, um autor qualquer, ávido por delegar autoridade a seu texto e a sua mensagem, atribuía sua autoria a uma figura importante do passado. Explicando na prática: Se um "Zé Mané" qualquer escrevesse um "evangelho", por exemplo, e colocasse como título Evangelho segundo Zé Mané, ninguém daria crédito a obra. Mas se o nosso querido "Zé Mané" desse a seu texto o nome de um apóstolo ou discípulo de Jesus, por exemplo, a coisa mudaria de figura. Por isso temos tantos "evangelhos" com nomes de apóstolos e outros textos de gêneros literários distintos atribuídos a diversas figuras importantes do cristianismo e/ou judaísmo antigos.
Por isso, temos textos como o evangelho de Tomé, ou o evangelho de Maria, ou o apocalipse de Paulo. É obvio que estes textos não foram escritos pelos personagens em questão, mesmo porque datam da segunda metade do séc. II, mais de 100 anos após a época em que eles viveram. Tratam-se de exemplos claros de pseudonímia.
Mas não se deve encarar a pseudonímia como uma éspecie de fraude; ela era na antiguidade um artifício, uma prática literária, usado por autores de diferentes religiões e de diferentes etinias e em gêneros literários diversos.
No caso dos "apócrifos", eu ousaria dizer que a totalidade dos textos que chegaram até nós são pseudonímicos.
Aproveito para agradecer a Andrea; ela tem participado com frequência. Obrigado, Andrea! Que seus comentários encoragem outros a participar.

terça-feira, 10 de junho de 2008

Os Apócrifos.....

Os chamados “livros apócrifos” têm chamado à atenção tanto do grande público quanto de estudiosos de áreas ligadas à história da Bíblia nos últimos tempos. A quantidade de informações disponíveis nos mais diversos meios de comunicação e até mesmo em livros pretensamente acadêmicos é considerável, sua qualidade e veracidade são, no entanto, questionáveis.
Para o grande público, o tema parece ser potencialmente polêmico, pois a idéia geral propagada sobre os apócrifos versa que eles seriam livros secretos que conteriam os verdadeiros ensinamentos e a verdadeira história de Jesus e seus primeiros discípulos; tal polêmica é ainda reforçada pela idéia segundo a qual a Igreja teria, desde muito cedo, escondido e condenado os apócrifos como forma de instituir e reforçar seu poder e dominação sobre os cristãos, já que os tais apócrifos conteriam doutrinas “subversivas” que não permitiriam a dominação em questão. Alguns livros pseudocientíficos e jornalistas pouco preocupados com a verdade vão além, dizendo que muitos desses livros, apesar da proibição eclesiástica, teriam sido conservados por sociedades ou seitas secretas, como os chamados gnósticos, os “verdadeiros detentores do ensinamento original de Cristo”; e teria sido por meio desses gnósticos e de membros de outras sociedades secretas, que seriam hoje representados por seitas esotéricas e “Nova Era”, que os livros apócrifos teriam chegado até nós.
Tudo isso é muito polêmico, mas não passa de ficção ou simples distorção da realidade. De fato, o vocábulo grego que dá origem à palavra “apócrifo” significa “livro secreto”, mas o conceito que se aplica a tal palavra hoje em dia não corresponde necessariamente a isso. Antes de tudo, deve-se enfatizar que o conceito acadêmico de “apócrifo” é extremamente elástico e volátil; a primeira característica que se atribui comumente a um apócrifo diz respeito ao fato de ele ser um texto que não pertence ao Cânon, ou seja, um texto que não faz parte dos livros que integram a Bíblia cristã. Tal característica não é, no entanto, abrangente o suficiente, pois vários textos antigos não são canônicos e nem por isso são considerados apócrifos (as Confissões de Santo Agostinho, por exemplo, não fazem parte do Cânon e nem por isso a obra em questão é considerada um apócrifo; e o mesmo valeria para centenas de outras obras da antiguidade). O que seria um apócrifo então?
Bom, a tentativa de resposta dessa pergunta fica para o post da semana que vem.
Aproveito para agradecer o comentário da Rafaela, aluna da Wizard. Obrigado Rafaela, e lembre-se que você é sempre bem vinda por aqui.

terça-feira, 20 de maio de 2008

Seminário do PEJ 2008

Bom, ando meio sem tempo de atualizar o blog, mas de agora em diante, vou me esforçar mais para fazê-lo pelo menos 1 vez por semana.
No fim de semana passado conversei com o Vicente sobre os preparativos do seminário do PEJ de 2008. Esse ano promete ser tão bom quanto os anteriores.
O tema será "a apocalíptica e a revolta de 70 na Judéia". Um tema aparentemente pouco orginal, mas creio que poderemos ter muita coisa boa e inédita.
Já estive pensando no tema da minha comunicação e me lembrei que um dos textos que estudo, o 1 Apocalipse de Tiago, fala brevemente de três guerras; Apesar de o texto não especificar muita coisa, muitos já sugeriram que a primeira das guerras seria exatamente a revolta de 70. Enfim, preciso pesquisar isso mais a fundo. De qualquer modo, tenho até novembro para fazê-lo.
Aproveito para responder os questionamentos do Márcio (pois é, meu caro, antes tarde do que nunca).
Eu não sei se a maioria das pessoas que estudam o que eu estudo são de fato católicas. Claro que uma boa parcela o são, mas também há protestantes (tenho amigos luteranos, por exemplo), ortodoxos e até ateus. É claro que a religião influência, mas não sei se influência exatamente na escolha dos temas. Eu mesmo, quando escolhi gnosticismo, nunca achei que iria tratar de questões tão próximas do cristianismo primitivo "católico", de dogmas, Jesus histórico e etc. Mas com o tempo esses e outros temas acabaram aparecendo, mais por demanda externa do que por vontade própria. Quando falo em "demanda externa", quero dizer que muitas vezes eu estudo e falo desses temas porque outras pessoas pedem ou se interessam. Não é um interesse acadêmico meu propriamente dito.

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Dormitio Marie, Transitio Marie

Ao traduzir o artigo do meu caro amigo Alin Sociu para o português, deparei-me com uma literatura muito interessante sobre a qual eu já tinha ouvido falar, mas que não conhecia a fundo.
Trata-se do círculo literário conhecido como Dormitio Marie ou Transitio Marie. O Alin acabou tomando contato com esses textos devido a sua pesquisa de doutorado; quem lê o blog sabe que ele está comprovando que o dito Evangelho do Salvador é na verdade uma homilia copta tardia e assim sendo, se assemelha a outros textos coptas dos sécs. VI, VII e VIII.
E os textos das tradições da Dormitio e da Transitio Marie fazem parte do corpus literário copta dos sécs. citados.
Mas do que tratam esses textos da Dormitio e da Transitio Marie? Tratam de um assunto muito conhecido de católicos do mundo inteiro: a Assunção da Virgem Maria. Esses textos, patrimônio histórico da cristandade, atestam a existência de tal crença já num periodo relativamente antigo da história do cristianismo.
Nos textos da tradição Dormitio, o assunto principal é exatamente da dormição da Virgem; ou seja, ela, por ser imaculada, não poderia ter sofrido a corrupção do corpo decorrente da morte. Assim sendo, ao final de sua jornada na terra, ela teria dormido, caido num estado de entorpecimento, para então ser elevada intacta aos céus.
Nos textos da tradição Transitio, o assunto principal é a viagem da Virgem até os céus, ou seja, a assunção propriamente dita, depois da dormição.
As descrições desses textos são estremamente belas; a Virgem sempre está vestida com roupas explendorosas e resplandescentes (olha a apocalítica ai), que não poderiam ser usadas por nenhum outro ser humano; em geral os apóstolos estão com ela e velam seu corpo quando Jesus aparece em sua glória para buscá-la, cercado de anjos e exércitos celestes.
A historicidade desses relatos pode, evidentemente, ser questionada, afinal, tratam-se de textos dos sécs. V, VI, VII e VIII que falam de acontecimentos sobrenaturais. Mas isso não significa, no entanto, que a assunção não tenha acontecido (inclusive, isso é um Dogma, e, na condição de historiador que nele acredita, eu deixo esse assunto para os teólogos). Mas a importância desses textos repousa no fato deles atestarem a crença da assunção da Virgem ainda na antiguidade. Se alguém acha que o dogma da Assunção foi algo "inventado" recentemente, esse alguém está enganado. Esses textos comprovam que já na antiguidade haviam cristãos que acreditavam nisso.
E o fato desses textos terem sido conservados em copta significa algo? Só a tradição copta acreditava nisso na antiguidade e só depois a tradição latina se apropriou de tal crença? Não, absolutamente não. Mais uma vez lembramos que o clima do Egito é propício para a conservação de manuscritos. Por isso esses textos foram conservados em copta, porque só no Egito é seco o suficiente....

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Houston 2008: mais sobre o Evangelho de Judas...

Acho que os poucos gatos pingados que frenquentam esse blog já devem estar de saco cheio do Evangelho de Judas. Mas o que eu posso fazer se só fala nisso, estou apenas seguindo a tendência...
Bom, agora no mês de março aconteceu em Houston mais um colóquio sobre o nosso texto querido. O prof. Painchaud, meu orientador, me atualizou sobre as novidades.
O prof. Gregor Wurst disponibilizou as fotos da parte inferior da pág. 41, que ele julgava ilegivel e praticamente perdida. O prof. Wolf-Peter Funk, da Université Laval (meu professor de copta), conseguiu decifrar as fotos e transcrever algumas linhas do texto copta e já traduziu para o francês (as linhas 8 a 26).
Como se imaginava, a parte inferior da pág. 41 é extremamente importante para a compreensão da polêmica em relação ao martírio, tema importantíssimo no Ev. de Judas.
Como vocês poderiam imaginar, eu não posso divulgar a tradução, mas logo logo isso deve aparecer publicado por ai.
Deve-se dizer que o Prof. Gregor Wurst tem feito um trabalho honesto; ele já parece estar convencido de que a interpretação da National Geographic estava realmente equivocada e desde o ano passado tem tentado manter contato com outros estudiosos visando decifrar melhor o texto.
Gostaria de agradecer ao Prof. Painchaud pelas informações e ao doutorando da Université Laval, meu colega Serge Cazelais, que acompanhou o Prof. Painchaud a Houston e que vai publicar uma resenha sobre o colóquio na Laval theologique et philosophique.

terça-feira, 25 de março de 2008

Páscoa, Jesus e a imprensa...

O domingo de Páscoa já passou, mas como ainda estamos na Oitava Pascal vou fazer alguns comentários sobre o tema.
As semanas e dias que antecedem a Páscoa são sempre "propícios" para a publicação de reportagens, dossiês em revistas de grande circulação, livros de vulgarização e documentários sobre Jesus e seu tempo e assuntos afins...quem não se lembra daquelas reportagens genéricas da Veja, Istoé e etc sobre Jesus, a Paixão e coisas do tipo?
Pois é, os últimos dois anos viram duas empreitadas desse tipo, uma mais picareta do que a outra. Em 2006 foi a National Geographic que publicou o Evangelho de Judas, largamente discutido nesse blog; em 2007 foi a vez do Discovery Channel divulgar que um ossuário com os restos mortais de Jesus tinha sido encontrado....
Pois é, difícil saber quem é mais picareta, mas eu fico com o Discovery Channel
Em ambos os anos, na época da Páscoa, eu estava em Québec, e pude acompanhar de perto a movimentação da mídia quando a notícia foi divulgada. Meu orientador, Prof. Painchaud, foi entrevistado em emissoras de rádio, televisão, revistas...ficou até famoso. Em 2007 a Radio Canada, uma emissora de TV canadense, foi até nosso departamento para entrevistar meu co-orientador, Prof, Poirier, sobre o suposto ossuário com os restos mortais de Jesus. Eu e meus colegas fomos até filmados e acreditamos que iamos aparecer na televisão a noite. Ficamos desapontados; a entrevista do Prof. Poirier não foi muito animadora para os joranlistas. Ele disse que o tal ossuário era uma imensa bobagem e que não se podia dar crédito a tamanha idiotice. A noite, no noticiário, ao invés de exibir a entrevista do Prof. Poirier, a Radio Canada preferiu colocar um teólogo de quinta categoria falando que o ossuário representava uma revolução nos estudos sobre o cristianismo e que iria abalar a fé católica e mais bobagens do gênero....
Eu e meus colegas achamos tão engraçado que até fizemos um bolão para ver qual seria a bola da vez em 2008. O que a imprensa escolheria para "polemizar" esse ano?
No fim das contas ninguém ganhou, pois não surgiu nenhum "documentário bombástico" esse ano, nem da National Geographic nem do Discovery Channel...Melhor assim, é menos bobagem.
Gostaria de agradecer ainda aos comentários do Bruno e do Márcio em relação ao post anterior.
E não poderia deixar de lembrar a data especial de hoje. Dia 25 de março de 2008, centenário do GALO!
100 ANOS DE PAIXÃO! VIVA O GALO!
GALO FORTE VINGADOR!

quarta-feira, 12 de março de 2008

Judas e Rauzito

Resolvi atualizar o blog essa semana com algo inusitado e que aparentemente foge da proposta inicial. É uma música do Raul Seixas, cuja letra foi composta por ele próprio e pelo Paulo Coelho, lançada em 1978 no álbum Mata Virgem. O nome da música é "Judas". Bom, agora muitos já devem estar desconfiando porque eu postei algo sobre essa música aqui...
Segue a letra:

Judas

Parte de um plano secreto
amigo fiel de Jesus
eu fui escolhido por ele
para pregá-lo na cruz
Cristo morreu como um homem
um mártir da salvação
deixando para mim seu amigo
o sinal da traição.
-= REFRÃO =-
Mais é que lá em cima
lá na beira da piscina,
olhando simples mortais
das alturas fazem escrituras
e não me perguntam se é pouco ou demais (2x)
Se eu não tivesse traído
morreria cercado de luz
e o mundo hoje então não teria
a marca sagrada da cruz
e para provar que me amava
pediu outro gesto de amor
pediu que o traísse com um beijo
que minha boca então marcou.
-= REFRÃO =-

O que eu acho interessante sobre essa música é que ela foi lançada em 1978, o provável ano da descoberta do manuscrito do Evangelho de Judas. E além do mais, a música tenta passar a idéia de um Judas herói, “amigo fiel de Jesus”, alguém que só traiu o Senhor porque era necessário, pois sem traição não haveria Paixão, morte e ressurreição, e consequentemente, Salvação. Pois é, para aqueles que se lembram, foi mais ou menos essa a idéia que a National Geographic e os editores do Evangelho de Judas por ela contratados tentaram passar do texto em questão. Com certeza a National Geographic vendeu muitos livros e ganhou muito dinheiro; mas, sendo curto e grosso, a interpretação do Evangelho de Judas proposta pela National Geographic é falsa! Um colega meu usou até a expressão “fraude intelectual"!....
Para quem quiser saber mais sobre o assunto, sugiro que leia os artigos do professor Painchaud já citados nesse blog. E claro, aproveito para vender o peixe do livro que Vicente e eu estamos organizando; livro que conterá um artigo sobre o Evangelho de Judas, por isso não entrarei em mais detalhes.
Mas enfim, a música é interessante e foi lançada no mesmo ano em que o Evangelho de Judas foi descoberto, uma grande coincidência. Sim, COINCIDÊNCIA, nada mais do que isso; é obvio que Rauzito e Paulo Coelho não conheciam o Evangelho de Judas, e quem pensar o contrário, com todo respeito, precisa de tratamento psiquiátrico.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Evangelho do Salvador e Alin Sociu no Ifao


Esse ai na foto é meu amigo romêno, Alin Sociu. Ele estuda comigo na Université Laval; deve terminar o doutorado dele no ano que vem.

Atualmente, o Alin está no Egito, analisando manuscritos coptas. Vai passar uns dias no Cairo e deve ir ao oasis de Faum também. Na foto, ele está analisando um manuscrito do Instituto francês de arqueologia oriental. Ele vai analisar alguns manuscritos no museu copta também.

A pequena viagem dele incluirá ainda uma pequena estadia em Berlim, para analisar o manuscrito do texto que ele estuda, o P. Berolinensis 22220, popularmente conhecido como Evangelho do Salvador. Os primeiros editores do texto, Hedrick e Merick, afirmaram categoricamente em 1996 que o texto em questão era um exemplo de evangelho primitivo que conservava tradições arcaicas independentes dos evangelhos canônicos e que poderiam remontar até o séc. I; essa visão foi reproduzida por praticamente todos os estudiosos que falaram do texto até então. No entanto, um estudo sério e aprofundado do texto nunca foi feito (Stephen Emmel publicou alguns anos depois uma nova edição do texto copta, melhor do que a de Hedrick, mas a edição em questão não contém um estudo aprofundado do texto); a pesquisa de doutorado do Alin é o primeiro estudo desse tipo. E ele está demonstrando que não se trata de um "evangelho primitivo" coisa nenhuma, mas de uma homilia copta tardia, que pode ter sido composta em um monento posterior ao séc. V. Ele chegou a essa conclusão comparando o texto do evangelho do Salvador com homilias e textos coptas dos séculos V, VI e VII; textos como esse do manuscrito da foto.

Mas enfim, como bem sabemos, o que chama a atenção da mídia e do público é um "evangelho primitivo" com palavras secretas de Jesus; ninguém quer saber de uma homilia copta tardia. Isso não vende. Não vou entrar em mais detalhes porque o Alin escreveu um artigo que deve ser publicado no livro que estou organizando junto com o Vicente. Quem se interessar pelo trabalho dele terá a oportunidade de ler detalhadamente os resultados de sua pesquisa.

Só para concluir, queria dizer que o título de evangelho do Salvador é uma invenção dos primeiros editores, já que o manuscrito não possui título (e se possuia esse título não foi conservado) e Jesus é várias vezes chamado de "Salvador" no texto.

Um agradecimento ao Alin por ter me permitido postar a foto.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Nova linha de pesquisa do PEJ: cristianismo primitivo, patrística e gnosticismo

Fiquei sumido durante um tempo, mas é porque estava viajando. Agora que já está tudo normal, vou voltar a postar no blog com certa regularidade. Mesmo não recebendo muitos comentários por aqui, sei que tem gente que acompanha e lê meus posts, por isso vou continuar escrevendo regularmente. Mas repito que ficaria muito contente em receber comentários e perguntas das pessoas que passam por aqui.
Hoje vou falar um pouco da nova linha de pesquisa do PEJ, criada há pouco tempo. Trata-se de uma subdivisão que terá por objeto o cristianismo primitivo, patristica e gnosticismo. Eu, Vicente, Fabrício e alguns outros membros do PEJ percebemos que era hora de abrir essa nova linha de pesquisa, devido ao considerável número de pessoas no grupo interessadas em cristianismo primitivo e áreas afins. Eu terei o prazer - e desafio - de coordenar essa nova linha de pesquisa.
Por enquanto, a idéia é seguir um plano de leitura básica sobre o cristianismo primitivo; um plano de leitura que tem por objetivo conhecer e discutir os principais temas relativos ao estudo do assunto em questão. Tenho certeza que essa nova linha de pesquisa vai ajudar muito no desenvolvimento do PEJ, mesmo para aqueles que participarão apenas tendo em vista uma formação complementar, pois continuarão fazendo parte também da linha de sincretismo.
Quem quiser saber mais sobre a nova linha de pesquisa pode procurar informações na página do PEJ ou entrar em contato comigo ou com o Vicente.

sábado, 9 de fevereiro de 2008

Gnosticismo: uma construção moderna?

Foram os estudiosos dos séculos XVIII e XIX que começaram a utilizar a palavra “gnosticismo” (que vem da palavra grega gnosis = conhecimento) para designar movimentos religiosos da antiguidade. Grosso modo, segundo eles, gnósticos eram os adeptos de “seitas”, algumas cristãs outras pré – cristãs, que acreditavam que o conhecimento era a chave da salvação; mas não se tratava de qualquer conhecimento: era necessário conhecer o verdadeiro Deus, o Pai supremo, diferente do criador do mundo material, o deus das escrituras judaicas. A parte espiritual do homem seria oriunda desse Deus supremo, mas a ignorância e ciúme do criador prendiam o homem ao mundo material; a salvação consistia então, em conseguir, após a morte do corpo, ascender até o pleroma, morada do Deus superior. Mas para isso, era necessário primeiro conhecer a origem divina do ser humano, ou seja, uma origem espiritual que remontaria ao Deus supremo, diferente da origem material oriunda do criador. Além do mais, para chegar até o pleroma, era necessário passar pelo criador e pelos seus anjos que tentariam a todo custo impedir a ascensão do ser espiritual.
Muita gente acreditava nisso que eu disse ai em cima; e os estudiosos dos séculos XVIII e XIX resolveram chamá-los de “gnósticos” e os estudiosos do séc. XX, e também os do séc. XXI continuaram a chamá-los assim. Mas alguém na antiguidade se designou como “gnóstico”? Existiu uma “religião gnóstica”? A resposta das fontes antigas para ambas as perguntas é não. As fontes nos demonstram que os cristãos ditos “gnósticos”, aqueles que acreditavam, grosso modo, no sistema descrito acima, muito provavelmente enxergavam-se como cristãos; claro, cristãos superiores, mas não formavam seitas ou religiões distintas. Tudo isso se insere no complexo contexto do cristianismo primitivo, um contexto plural, numa época na qual a ortodoxia, consagrada pelo Concílio de Nicéia, ainda estava se formando.
Eventualmente, a consolidação da fé católica e a institucionalização do credo de Nicéia como única forma correta de cristianismo acabou fazendo com que esses cristãos “diferentes” fossem cada vez mais excluídos; e tudo indica que eles desapareceram.
Enfim, só para concluir, deve-se dizer que nenhuma fonte nos relata um desses cristãos chamando-se a si mesmo de “gnóstico” ou definindo sua fé como “gnosticismo”. Somos nós, os modernos que utilizamos tais nomes, de maneira arbitrária, para nos referirmos a esses fenômenos da antiguidade e seus adeptos.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Tiago, o irmão de Jesus.

No final de 2002, o número 28 da revista Biblical Archeology Review divulgou uma suposta descoberta arqueológica fantástica: uma pedra que faria parte de um ossuário; na pedra estaria escrito “Tiago, o irmão de Jesus”. Posteriormente ficou claro que se tratava de uma fraude, mas a polêmica sobre a existência de um irmão de Jesus, o que, poderia contradizer o dogma da virgindade perpétua de Maria, estava lançada.
Falso ou não, o ossuário não nos traz absolutamente nada de novo. Várias fontes antigas já falavam da existência de um “Tiago irmão de Jesus”. Esse Tiago não seria um dos doze apóstolos, mas um discípulo de Jesus. Ele era conhecido ainda como Tiago, o justo, era um asceta que não bebia vinho e gozava de extremo prestígio em meio aos judeus, sendo ainda conhecido por sua vida de oração. Ele teria sido martirizado no Templo de Jerusalém; Quem nos conta tudo isso é o historiador antigo Eusébio de Cesaréia (História Eclesiástica II, 23, 4-18) que escreve no séc. IV, mas diz utilizar como fonte em relação a Tiago um cristão de origem judaica do séc. II, Hegésipo. Há ainda um texto de Nag Hammadi, o primeiro apocalipse de Tiago¸ no qual Tiago é também chamado de “irmão do Senhor”.
Sabe-se que a palavra irmão era também utilizada para designar um parente próximo na literatura bíblica; qualquer bíblia que se preze tem uma nota explicando isso. Mas quase nunca se menciona o significado metafórico e espiritual da palavra irmão. Poder-se-ia usar a palavra em questão para designar proximidade espiritual; mesmo hoje em dia, quando um padre faz uma homilia e chama seus ouvintes de irmãos, ele não esta dizendo que todos são filhos biológicos de um mesmo pai ou de uma mesma mãe; ele quer dizer que são todos irmãos na fé, batizados, filhos do mesmo Deus Pai. Não posso afirmar com certeza, mas creio que muitas vezes, quando a palavra irmão é empregada no Novo Testamento é isso que ela quer designar, uma fraternidade espiritual, e não carnal. O primeiro apocalipse de Tiago não é um texto bíblico, mas nos dá uma idéia desse significado espiritual da palavra em questão quando coloca na boca de Jesus as seguintes palavras ao se referir a Tiago: “Tu és meu irmão, mas não segundo a carne” (NH V, 24, 13-19).

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Número 7 da revista eletrônica Oracula

Esta semana saiu o número 7 da revista Oracula, a “revista eletrônica de pesquisas em apocalíptica judaica e cristã”, da Universidade Metodista de São Paulo.
O número conta com três colaborações de membros do PEJ.
Desde o início da revista, muitos membros do PEJ têm contribuído com a Oracula, como a Joana, o Vicente e eu, por exemplo. Dessa vez, os artigos foram escritos Pelo Fabrício, Julia e Alexandre.
Para quem quiser dar uma olhada:

http://www.oracula.com.br/site/index.php?option=com_content&task=view&id=79&Itemid=51

A Oracula é uma iniciativa e tanto, um primeiro passo na tentativa de colocar o Brasil no mapa mundial de estudos bíblicos. Figuras conhecidas mundialmente, como C. Hedrick já contribuíram com a revista; vamos torcer para que todos aqueles que escrevem para Oracula se tornem um dia referência mundial em seus respectivos campos de pesquisa.

Quero aproveitar ainda para agradecer os comentários que a Andrea e a Vanessa fizeram em relação ao post anterior. Muito obrigado! Espero que sejam os primeiros de muitos comentários e participações.

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Onde estão os textos de Nag Hammadi?


A gente encontra cada bobagem na internet...
Parece que virou moda, principalmente depois do Código da Vinci, dizer que o Vaticano esconde manuscritos “apócrifos” antigos que revelariam a verdade sobre Jesus e que, consequentemente, acabariam com o domínio da Igreja. Já perdi a conta de quantas vezes li esse tipo de bobagem na internet.
Recentemente vi alguém falando algo desse tipo sobre os manuscritos de Nag Hammadi.
Mas enfim, para quem não sabe, ai vai a explicação.
Os manuscritos de Nag Hammadi foram descobertos em 1945 por 2 camponeses egípcios. Com exceção do codex I, que foi comercializado no mercado negro de antiguidades, tendo sido vendido à fundação Jung, o restante dos códices foi parar no Museu copta do Cairo ainda na década de 40. O primeiro codex chegou em 1946 e foi examinado pelo diretor do museu, Togo Mina e Jean Doresse. Em 1949, o governo egípcio expropriou os demais códices que estavam em território egípcio, entregando-os ao Museu Copta. O codex I, depois de publicado, voltou para o Egito e também se encontra no Museu Copta.
Em 1949, com a morte de Togo Mina, os manuscritos foram guardados numa mala onde ficaram até 1956, pois ninguém se interessou por eles. É preciso lembrar, porém, que esse foi um período conturbado da história do Egito; em 1947, o país enfrentou Israel em uma guerra; em 1952, passou por uma revolução que durou até o ano de 1954, com a abdicação do rei Faruk, e a proclamação da Republica Egípcia; a ainda, em 1956, o pais enfrentou Israel em uma nova guerra. Todos estes eventos retardaram de certa forma a publicação dos textos.
O fato é que os manuscritos de Nag Hammadi nunca estiveram em poder do Vaticano nem de nenhuma autoridade eclesiástica; estão no Museu Copta do Cairo até hoje, para quem quiser ver; eu mesmo os vi com meus próprios olhos no final de outubro de 2007.
Quem quiser ler mais pode ler o artigo de James Robinson “From the Cliff to Cairo”, ou então, um artigo que escrevi para revista Oracula:

http://www.oracula.com.br/numeros/022006/artigos/Artigo%20-%20Julio%20Cesar%20Dias%20Chaves.pdf


E na foto lá em cima, estamos o Renné, eu e o Michael observando o folio 23 do codex V de Nag Hammadi. Adivinhem onde? Não, não estávamos no Vaticano, estávamos no Museu copta do Cairo....

domingo, 27 de janeiro de 2008

A biblioteca de Nag Hammadi: uma coleção gnóstica?

Há pouco mais de sessenta anos, em 1945, um conjunto de códices de papiros com coberturas de couro era encontrado no alto - Egito, nas proximidades da cidade moderna de Nag Hammadi. A descoberta acidental propiciou uma quantidade considerável de fontes inéditas para o estudo do cristianismo primitivo e de algumas de suas manifestações marginais que, grosso modo, são conhecidas e denominadas hoje sob o rótulo de “gnosticismo”. São mais de cinqüenta textos de cunho religioso e filosófico divididos em treze códices - alguns textos se repetem, há, por exemplo, duas versões diferentes do texto conhecido como Eugnostos, uma no codex III e outra no codex V. Os códices datam do séc. IV, a língua é o copta, mas os textos foram muito provavelmente compostos em grego, em momentos anteriores ao séc. IV. O que se tem hoje é, portanto, um provável conjunto de traduções coptas de textos que foram compostos em grego - ou ainda, versões coptas feitas a partir de outras versões coptas que remontariam, em diferentes graus de transmissão, aos textos gregos. A cadeia de transmissão dos textos de Nag Hammadi é, portanto, extremamente complexa.
Estes originais gregos, no entanto, se perderam, com exceção de alguns escritos dos quais se possui ou o texto completo em grego ou fragmentos; caso, por exemplo, do fragmento da República de Platão no codex VI (588A-589B). Convencionou-se chamar o corpus literário em questão de Biblioteca Copta de Nag Hammadi (BCNH), nome que tem sido utilizado desde os primórdios de sua pesquisa e que permanece até hoje.
A BCNH é constituída por um número considerável de textos; ela pode ser contada entre as grandes descobertas arqueológicas do séc. XX. Como dito anteriormente, os textos da BCNH são traduções/versões coptas do séc. IV que remontariam a textos gregos compostos anteriormente, o que significaria, no caso específico de alguns escritos, na existência de testemunhos de tradições relativamente arcaicas sobre manifestações pouco conhecidas do cristianismo primitivo.
Muitos textos da BCNH contêm doutrinas semelhantes às denunciadas e condenadas por diversos heresiólogos dos primeiros séculos do cristianismo, notadamente Irineu de Lyon. Estas doutrinas são genericamente chamadas de gnosticismo, como dito anteriormente, um rótulo moderno para designar um conjunto de manifestações particulares do cristianismo primitivo. O fato é que a descoberta de um conjunto tão considerável de fontes ditas gnósticas chamou a atenção dos estudiosos. O que antes era conhecido quase que exclusivamente por meio de heresiólogos poderia então ser conhecido por meio de fontes primárias. A dita “doutrina gnóstica” poderia então ser entendida por meio das descrições de seus próprios adeptos e não necessariamente por meio de seus opositores. Tal fato fez com que se propagasse a idéia de que a BCNH seria uma coleção gnóstica, idéia que de certa forma, perdura até hoje em alguns meios não acadêmicos, como a imprensa, mas ainda em meios acadêmicos que se preocupam com estudos correlatos.
Mas a verdade é que a BCNH não pode ser rotulada como uma “coleção gnóstica”. Uma parte considerável dos textos encaixa-se no que se convencionou chamar de “gnosticismo”, ou seja, um sistema doutrinal que considera a existência de um Deus supremo e um inferior que seria o criador do mundo material. Mas muitos textos da BCNH não apresentam nenhum traço claro de “gnosticismo”; alguns textos renomados, como o evangelho de Tomé, por exemplo, já foram cotados como “gnósticos” pelo simples fato de fazerem parte da BCNH; no entanto, a leitura atenta do texto em questão não revela nenhuma característica peculiar ao gnosticismo, mas diversos elementos próprios a diversos grupos dos primórdios do cristianismo. O evangelho de Tomé não é um texto gnóstico, e foi, muito provavelmente, produzido num ambiente siríaco encrático, talvez até monástico, onde a figura de Tomé era renomada.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

A edição crítica do Evangelho de Judas

Depois do estardalhaço mediático na Páscoa de 2006, com a publicação de uma tradução em inglês (e em outras línguas modernas) e um comentário do Evangelho de Judas pela National Geographic, a edição crítica do codex Tchacos saiu no meio do ano de 2007.
Codex Tchacos? Sim, codex Tchacos é o nome do corpus literário ao qual pertence o Evangelho de Judas.
Não é a toa que a National Geographic deu à edição crítica o título "The Gospel of Judas, Critical Edition: Together with the Letter of Peter to Phillip, James, and a Book of Allogenes from Codex Tchacos"; “The Gospel of Judas” vem com letras enormes, e o resto com letras menorzinhas. Mas enfim, é até compreensível, afinal, ninguém sabe o que é codex Tchacos, mas do Evangelho de Judas todo mundo já ouviu falar. Esses dias mesmo, o irmão de um amigo meu veio me perguntar se o Evangelho de Judas estava mesmo escrito em aramaico.....
Não! O Evangelho de Judas não está escrito em aramaico, mas sim em copta, a língua do Egito na época romana, entre os sécs. III e VII aproximadamente. Mas o original foi muito provavelmente composto em grego, da segunda metade do séc. II em diante.
Mas voltando à edição crítica, devo dizer que ela ficou boa e barata. Comprei na Amazon.ca por 20 dólares canadenses.
Os fac-símiles das páginas do codex Tchacos ficaram pequenos, mas a qualidade das fotos é boa. E mesmo após a publicação, o prof, Gregor Wurts, um dos responsáveis pela edição, continuou a achar locais para encaixar os fragmentos. Ele mandou um e-mail em agosto para o Prof. Wolf-Peter Funk, aqui da Université Laval, com alguns fragmentos recolocados.
Mas o que mais chama a atenção é que a polemica continua. A discussão sobre o Judas do Evangelho de Judas, se ele seria um personagem bom ou mau, discípulo modelo de Cristo, ou o mesmo traidor de sempre continua. A edição crítica mudou a tradução de algumas passagens cruciais (em breve dou mais detalhes e esclareço tudo isso), mas Meyer, Kasser e Wurts (mas principalmente o Meyer) continuam defendendo que o Judas do Evangelho de Judas é apresentado como herói, modelo, o único que entendeu Cristo e o entregou para livrá-lo de seu envelope carnal, a pedido do próprio – alias se alguém me mostrar o trecho do texto no qual Jesus pede a Judas que o entregue, eu mudo de nome; mas tem de ser uma tradução séria, e não essas traduções do Jean-Yves Leloup que circulam por ai.
De acordo com a interpretação de Meyer & cia. estão, entre outros E. Pagels, B. Erhman e K. King, autores que nos últimos tempos têm se destacado mais por obras de vulgarização que lhes renderam milhares de dólares do que por obras científicas renomadas.
Do outro lado estão estudiosos menos conhecidos do grande público, mas que gozam de muito respeito e reputação nos meios acadêmicos, como L. Painchaud, J Turner, A. deKonick e B. Pearson. E eu concordo com eles. Para mim, basta ler o texto com atenção e conhecer um pouco do contexto do cristianismo primitivo e do que se convencionou chamar de “gnosticismo” para perceber que o Evangelho de Judas não apresenta um Judas herói, muito pelo contrário, apresenta o traidor de sempre que trai Jesus e é culpado pelo maior sacrifício de todos os tempos, o do próprio filho de Deus. Mas enfim, o Judas traidor já não chama mais a atenção de ninguém, né?! O povo quer algo de novo, de interessante, de polêmico.
Não vou entrar em mais detalhes, pois estou preparando um artigo em português sobre o assunto. Mas tenho de agradecer ao meu orientador, L. Painchaud e a todos os meus professores e colegas da Université Laval; passamos muito tempo discutindo detalhadamente o texto do Evangelho de Judas. E para quem não consegue esperar pelo artigo, sugiro que leia a edição de outubro de 2006 da Laval théologique et philosophique.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

The Nordic Nag Hammadi and Gnosticism Network

Entre os dias 28 de outubro e 4 de novembro de 2007, ocorreu no Shephard Hotel, Cairo, Egito, o chamado “Nordic Nag Hammadi and Gnosticism Network”. Trata-se de um seminário anual realizado pela associação nórdica de estudos coptas, formada pelos estudiosos da Dinamarca, Finlândia, Suécia e Noruega. O seminário é organizado por professores desses países, principalmente o prof. norueguês Einar Thomassen, para quem não conhece, um das referências em valentianismo.
O seminário funciona da seguinte maneira: um texto copta é escolhido para ser traduzido; de manha lê-se o texto traduzindo-o, os participantes têm de lê-lo e traduzí-lo no decorrer do seminário; ocorrem também discussões filológicas em relação ao texto, propondo-se alternativas para o preenchimento de lacunas etc. Ocorrem também muitas discussões sobre o conteúdo e interpretação de passagens obscuras e do sentido e objetivo geral do texto. Em 2006, o texto discutido foi o recém publicado evangelho de Judas. Em 2007, discutiu-se a versão do primeiro apocalipse de Tiago do codex Tchacos, o mesmo codex do evangelho de Judas.
Durante a tarde, em geral, deixa-se a tradução do texto de lado e os participantes apresentam comunicações científicas. Eu tive a oportunidade de apresentar uma comunicação sobre o codex V de Nag Hammadi e sua relação com a literatura copta do séc. IV. Para quem se interessar, o texto da comunicação está disponível no site do Programa de Estudos Judaico-helenísticos, no link abaixo:

http://www.pej-unb.org/downloads/paper_julio_nh_gn_2007.pdf


Em 2008, o NNHGN ocorrerá em Helsinki, Finlândia.