segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Quando cristãos deixaram de ser judeus?

Bom, tentando então responder a pergunta do Guilherme, os estudiosos dizem que os cristãos separam-se efetivamente do judaísmo no fim do séc. I e início do II.
Como já foi dito, a primeira geração de cristãos era composta basicamente por judeus e esse judeus-cristãos continuaram a frequentar as sinagogas e seguir os preceitos judaicos. Como bem se sabe, algumas das epístolas paulinas, por exemplo, nos falam da polêmica questão da observância dos preceitos judaicos por parte dos cristãos convertidos do paganismo. Os Atos dos Apóstolos também tocam no assunto ao relatar aquilo que ficou conhecido como "Concílio de Jerusalém", no qual foi discutido principalmente a questão citada acima. A posição de Paulo era que os convertidos do paganismo não precisavam seguir as prescrições legais judaicas; e foi exatamente essa posição que aos poucos se impôs e os legalismos judaicos passaram a ser entendidos como elementos culturais. Portanto, como elementos culturais, é de se esperar que eles tenham continuado a ser praticados por muitos cristãos de origem judaica ao longo das décadas até mesmo do séc. II. Mas vejam bem, quando falo desses preceitos judaicos, não estou falando dos 10 mandamentos e da lei judáica em geral, mas de coisas mais específicas (quem quiser detalhes, leia o Pentateuco); a mais famosa era, sem dúvida, a circuncisão.
Enfim, a separação entre judeus e cristãos não foi algo oficial, aconteceu gradualmente. Não seria absurdo imaginar um cristão de origem judaica que continuava a frequantar a sinagoga mesmo no fim do sec. I ou início do II. Mas como as práticas ritualísticas cristãs eram diferentes das judaicas, o cerne ritual do cristianismo já não estava ligada a sinagoga e muito menos ao Templo, destruído em 70 d.C.
Outro fator é importante na diferenciação e separação de cristãos e judeus: o proselitismo. O proselitismo não era uma caracteristica forte do judaísmo, mas era, e continua sendo, fundamental no cristianismo. Os judeus estavam fechados em si, não queriam converter os pagãos, aliás, as correntes mais radicais impediam até mesmo o contato do judeu com pessoas de outras raças. Já no cristianismo, o contato com pagãos era inevitável, mais do que isso, era fundamental, uma resposta ao mandato de Cristo de levar a Boa Nova a todo o mundo.
Então, enquanto judeus permaneciam isolados, cristãos tomavam cada vez mais contato com pagãos e, com o passar do tempo, o que antes era um ramo do judaísmo era formado, em sua grande maioria, por não-judeus. E é nesse momento que o cristianismo começa a se diferenciar de fato do judaísmo. Agora, uma data exata não pode ser precisada.
Mas podemos ao menos estabelecer um ponto de referência: a Revolta de 70. O ódio dos judeus em relação aos romanos chegou ao seu clímax com a destruição do Templo e a ruína de Jerusalém em 70. Não obstante, os cristãos continuavam a evangelizar os romanos, mesmo tendo eles, ou o povo deles, destruído o Templo e a cidade santa. E isso foi um ultraje para os judeus não-cristãos. Talvez tenha sido ai que os cristãos começaram a ser expulsos das sinagogas.
Mas isso é tudo muito relativo, pois há indícios de que na segunda revolta da judéia, por volta de 130-133, ainda haviam cristãos judeus na Judéia; eles foram obrigados a seguir Bar Kochba, o lider judeu da revolta e quem não o fez foi perseguido e expulso.
Enfim, tem um texto interessante sobre essa questão da separação dos judeus e cristãos. Como não estou em casa nesse momento, não posso passar a referência, mas depois eu escrevo um comentário e isso se resolve.

5 comentários:

Unknown disse...

julio, seu texto me deixou com outra duvida. ou me possibilitou outras questoes para essa diferença entre judeus e cristaos.

o cristianismo foi proibido no imperio romano, vc sabe se essa lei era clara sobre os cristaos, ou era algo meio abrangente para todos o judeus? enfim, os romanos ja diferenciavam? ja viam dois grupos diferentes?

nessa propria revolta de 70 os romanos ja diferenciavam???

Flávio Souza disse...

Não creio que se possa afirmar que o proselismo não fosse uma característica forte do judaísmo. No próprio texto dos evangelhos, encontramos menção aos fariseus percorrendo grandes distâncias para fazer prosélitos.

Obviamente, a eminência escatológica fazia com que houvesse uma urgência fundamental no proselitismo cristão. No entanto, creio ser temerário afirma que o judaísmo do primeiro século não possuisse vertentes proselistas. Ademais, se formos observar a questão a fundo, perceberemos que o movimento nazareno primitivo atuava como um partido judeu. E não creio que possamos separá-lo nas suas duas primeiras gerações das outras linhas judaicas [de tal forma a fazer com fossem duas religiões diversas]

Julio Cesar Dias Chaves disse...

Bom, Guilherme, não posso responder com certeza se o cristianismo era oficialmente proibido (se havia alguma lei ou edito que o proibia oficialmente). Teria de conferir isso. Mas lembra que quando fizemos história antiga II vimos que o império romano era relativamente tolerante em relação as religiões locais?
O que houve no caso da revolta de 70 foi uma questão não só religiosa, mas também étnica e política; e também, uma série de episódios desgradáveis que irritaram profundamente os judeus (os exenplos clássicos são a estátua de Calígula no Templo e Pompeu entrando no Templo). Agora, a revolta de 70 foi uma revolta do judaísmo palestinense; tanto que o judaísmo da diáspora não deixou de existir.
O que houve no caso do cristianismo foram períodos de perseguição mais intensa. Alguns imperadores em específico não aceitavam o fato de os cristãos se recusarem a prestar culto aos deuses e ao próprio imperador. É interessante ver que a última perseguição, foi uma das maiores, a de Diocleciano em 303.
Mas enfim, respondendo sua pergunta, eu creio que não, os romanos não diferenciavam ainda. A diferenciação vai começar a partir de então, mas como eu disse, só se concretiza em meados do séc. II.

Julio Cesar Dias Chaves disse...

Caro Flávio, peço que leia meu texto com mais atenção, creio que você não tennha entendido exatamente o que eu quis dizer.
o fato de existir vertentes proselitistas no judasmo do séc. I, não afirmei nem que existia nem que não existia, não significa que o Judaismo como um todo fosse proselitista. E mesmo que existissem vertentes proselitistas no judaismo do séc. I, devemos considerar que a revolta de 70 diminuiu consideravelmente a sua pluralidade. É ai que começa a surgir o judaismo rabínico, fruto do judaismo farisaico, que foi praticamente o que sobrou da revolta.
Enfim, mesmo que você considere que existia proselitismo no judaismo do séc. I, eu não afirmei o contrário, não há como argumentar que este proselitismo estava no mesmo nível do cristão. No caso do cristianismo isso era fundamental, o que levou com que a religião se espalhasse rapidamente, de maneira espantosa, por todo o mediterrâneo em algumas décadas. As epístolas paulinas, os mais antigos escritos cristãos preservados,já são o indício de que o cristianismo já tinha chegado aos pagãos, aliás, isso não é novidade nenhuma. Não é a toa que a palavra "católica" (universal) vai ser aplicada por Policarpo de Esmirna à Eclesia já na primeira metade do séc. II. Já no fim do séc. I a maioria dos cristãos não era de origem judaica e sim pagã e isso teve papel fundamental na diferenciação entre judaísmo e paganismo.
E eu discordo quando você fala em eminência escatológica como fundamento para o proselitismo cristão. A eminência escatológica deixa de ter tanta importância alguns séculos depois, mas o proselitismo não, continua sendo, até hoje, fundamento do cristianismo.
E também creio que a expressão "movimento nazareno" seja pouco apropriada para definir o cristianismo das primeiras décadas. Talvez o seja para os anos de pregação de Jesus na Galiléia; mas depois, o cristianismo se espalha com tal velocidade que chamá-lo de movimento nazareno seria uma maneira de atribuir-lhe caráter regionalista e minimizar sua expansão. Não vejo problema algum em usar a palavra cristianismo, mesmo porque o fato de não existir uma palavra para nomear um fenômeno não significa que tal fenômeno não exista.

Flávio Souza disse...

De fato, após o período dos 70 d.C. houve uma profunda ruptura em tudo o que tínhamos anteriormente de um mosaico religioso judaico na Palestina.

Mas veja. Creio que temos aí uma singularidade que deva ser assinalada. É possível que a tragédia causada pela guerra tenha gerado um comportamento bem mais fechado e autocentrado daqueles que viriam a se tornar os representantes do judaísmo rabínico [oriundos do farisaísmo]. E creio ser isso um fato sociológico a ser ressaltado. Aliás, creio ser inclusive relevante uma investigação sobre as tendências farisaicas que se juntaram à guerra e sobre aqueles que procuraram uma postura alternativa ao conflito.

Quanto ao movimento, não fui eu quem os chamou assim. Eles eram chamados de nazarenos pelos de fora do movimento. Internamente, temos "o caminho" e os "pobres" como outras denominações utilizadas.

Com relação ao proselitismo - duas são as dimensões fundamentais: 1 - a do Reino e 2 - A da Escatologia!

A pregação se dá a partir da missão evangélica impulsionada pelo próprio Jesus. A pregação sobre o Reino e o Eschaton! E os dois andam costumeiramente de mãos dadas, apesar de não serem a mesma coisa [e poderem servir a leituras diversas].