quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Sobre concílios e cismas

O presente post foi motivado pelo aniversário de 50 anos do início do Concílio Vaticano II, sem dúvida nenhuma, um dos mais importantes episódios da história da Igreja.
Escuto muitos amigos, colegas e conhecidos falarem do Concílio Vaticano II de maneira pessimista, referindo-se de modo simplista à suposta batalha entre "progressistas e tradicionalistas" e lamentando de maneira quase escatológica o "cisma" causado por Marcel Lefebvre e seus seguidores. Tal posição pessimista passa muitas vezes a impressão de que a Igreja vive tempos particularmente difíceis, e que nunca antes tinha passado por uma crise tão séria. 

Enfim, o objetivo deste post é mostrar brevemente que desde os primeiros séculos da história da Igreja - abordando, portanto, um assunto que faz parte do escopo deste blog - os anos e décadas posteriores a um concílio quase sempre foram difíceis; que muitas vezes a Igreja teve de conviver com crises teológicas, cismas e até mesmo tentativas de intervenção externa de autoridades seculares em questões doutrinais e dogmáticas. Se por um lado os concílios da antiguidade conseguiam formular dogmas, por outro, a formulação do dogma propriamente dito acabava por gerar desavenças e causar cismas.
Esse post é, digamos, um post apologético, animador, que quer mostrar que a situação a qual me referia no primeiro parágrafo não é inédita e que a Igreja já sobreviveu a situações muito mais difíceis e complicadas.

Comecemos pelo Concílio de Niceia, em 325. O ponto mais importante desse concílio foi a formulação dogmática que deixava claro que Jesus era Deus. Alguns cristãos da época - 
simplificadamente chamados de "arianos" - não acreditavam que Jesus era Deus, mas a primeira e mais excelsa dentre as criaturas, tendo, inclusive, participado do restante da atividade criadora do Pai. Mesmo após o Concílio, esses cristãos não passaram a acreditar na divindade de Cristo. Por outro lado, alguns clérigos, de maneira geral, aceitando a divindade de Cristo, não ficaram satisfeitos com o uso de expressões filosóficas gregas, que não apareciam nas Escrituras, na formulação do dogma em questão. 
O séc. IV viu, portanto, uma verdadeira crise teológica que ficou conhecida como "crise ariana", que durou mais de 60 anos. A formulação do Concílio, ao invés de alcançar um consenso, acabou criando discórdia em toda a cristandade.   A chamada crise ariana foi, sem dúvida, um dos episódios mais dramáticos da história da Igreja. A produção literária dos Padres da Igreja nesse período testemunha a grandeza e a dramaticidade dessa crise. Nesse período, a figura de Santo Atanásio, o principal defensor do credo niceno, foi proeminente. 
Ainda no âmbito eclesiástico, o período em questão testemunhou o aparecimento de vários pequenos sínodos regionais, nos quais alguns bispos se reuniam para questionar o credo niceno, formulando ajustes ou suprimindo partes do próprio credo. 
Outra questão que tornou a situação da Igreja particularmente dramática nesse período consistiu no fato de alguns imperadores romanos terem tentando interferir em assuntos dogmáticos e eclesiásticos. Alguns imperadores que não eram adeptos do credo niceno ordenaram o exílio de bispos pró-Niceia, nomeando eles próprios "bispos" anti-Niceia; Santo Atanásio, por exemplo, chegou a ser exilado 5 vezes de seu posto de Patriarca de Alexandria.    
A questão só foi se resolver de maneira completa no fim do séc. IV, com um outro concílio, o Concílio de Constantinopla I, em 381; tal concílio ratificou o credo niceno e estendeu a formulação dogmática sobre a divindade ao Espírito Santo.  Portanto, apesar da situação dramática vivida pela Igreja durante o séc. IV, a questão acabou por se resolver sem deixar que um cisma ariano se perpetuasse.

No séc. V, outros dois concílios, o de Éfeso (431) e o de Calcedônia (451) geraram situações semelhantes, mas com um fim diferente. No Concílio de Éfeso, a principal formulação dogmática dizia respeito à União Hipostática - ou seja, inseparável - das naturezas humana e divina na pessoa de Cristo. Nestório, o famoso Patriarca de Constantinopla na época e que negava a União Hipostática, foi condenado, assim como sua doutrina, comummente chamada de Nestorianismo. A decisão dogmática, no entanto, causou um cisma, que continua a existir até os dias de hoje, a chamada "igreja nestoriana", na Síria. 


Em Calcedônia, a formulação dogmática procurou resolver a questão monofisita. O monofisismo pregava que a natureza divina de Cristo, sendo mais excelsa, tinha absorvido a natureza humana do próprio Cristo. O Concílio de Calcedônia viu aparecer um dos grandes cismas da história do cristianismo, o cisma monofisita. Após o Concílio, devido também a questões políticas, a Igreja do Egito, representada principalmente pelo patriarcado de Alexandria, separou-se do restante da cristandade, negando de maneira virulenta a comunhão com Roma.

Esse pequeno esboço dos 4 grandes concílios da antiguidade são apenas uma tentativa de mostrar que grandes formulações dogmáticas quase sempre deixam alguns descontentes. Tem sido assim desde Niceia, não seria diferente com o Vaticano II. E certamente, apesar do aval dos pessimistas, a Igreja já passou por situações mais dramáticas e sobreviveu....



Um comentário:

Diácono Valney disse...

Graças a ação do Espírito Santo, a Igreja supera todas as dificuldades e jamais sucumbirá! pois é do próprio Deus....