quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

A edição crítica do Evangelho de Judas

Depois do estardalhaço mediático na Páscoa de 2006, com a publicação de uma tradução em inglês (e em outras línguas modernas) e um comentário do Evangelho de Judas pela National Geographic, a edição crítica do codex Tchacos saiu no meio do ano de 2007.
Codex Tchacos? Sim, codex Tchacos é o nome do corpus literário ao qual pertence o Evangelho de Judas.
Não é a toa que a National Geographic deu à edição crítica o título "The Gospel of Judas, Critical Edition: Together with the Letter of Peter to Phillip, James, and a Book of Allogenes from Codex Tchacos"; “The Gospel of Judas” vem com letras enormes, e o resto com letras menorzinhas. Mas enfim, é até compreensível, afinal, ninguém sabe o que é codex Tchacos, mas do Evangelho de Judas todo mundo já ouviu falar. Esses dias mesmo, o irmão de um amigo meu veio me perguntar se o Evangelho de Judas estava mesmo escrito em aramaico.....
Não! O Evangelho de Judas não está escrito em aramaico, mas sim em copta, a língua do Egito na época romana, entre os sécs. III e VII aproximadamente. Mas o original foi muito provavelmente composto em grego, da segunda metade do séc. II em diante.
Mas voltando à edição crítica, devo dizer que ela ficou boa e barata. Comprei na Amazon.ca por 20 dólares canadenses.
Os fac-símiles das páginas do codex Tchacos ficaram pequenos, mas a qualidade das fotos é boa. E mesmo após a publicação, o prof, Gregor Wurts, um dos responsáveis pela edição, continuou a achar locais para encaixar os fragmentos. Ele mandou um e-mail em agosto para o Prof. Wolf-Peter Funk, aqui da Université Laval, com alguns fragmentos recolocados.
Mas o que mais chama a atenção é que a polemica continua. A discussão sobre o Judas do Evangelho de Judas, se ele seria um personagem bom ou mau, discípulo modelo de Cristo, ou o mesmo traidor de sempre continua. A edição crítica mudou a tradução de algumas passagens cruciais (em breve dou mais detalhes e esclareço tudo isso), mas Meyer, Kasser e Wurts (mas principalmente o Meyer) continuam defendendo que o Judas do Evangelho de Judas é apresentado como herói, modelo, o único que entendeu Cristo e o entregou para livrá-lo de seu envelope carnal, a pedido do próprio – alias se alguém me mostrar o trecho do texto no qual Jesus pede a Judas que o entregue, eu mudo de nome; mas tem de ser uma tradução séria, e não essas traduções do Jean-Yves Leloup que circulam por ai.
De acordo com a interpretação de Meyer & cia. estão, entre outros E. Pagels, B. Erhman e K. King, autores que nos últimos tempos têm se destacado mais por obras de vulgarização que lhes renderam milhares de dólares do que por obras científicas renomadas.
Do outro lado estão estudiosos menos conhecidos do grande público, mas que gozam de muito respeito e reputação nos meios acadêmicos, como L. Painchaud, J Turner, A. deKonick e B. Pearson. E eu concordo com eles. Para mim, basta ler o texto com atenção e conhecer um pouco do contexto do cristianismo primitivo e do que se convencionou chamar de “gnosticismo” para perceber que o Evangelho de Judas não apresenta um Judas herói, muito pelo contrário, apresenta o traidor de sempre que trai Jesus e é culpado pelo maior sacrifício de todos os tempos, o do próprio filho de Deus. Mas enfim, o Judas traidor já não chama mais a atenção de ninguém, né?! O povo quer algo de novo, de interessante, de polêmico.
Não vou entrar em mais detalhes, pois estou preparando um artigo em português sobre o assunto. Mas tenho de agradecer ao meu orientador, L. Painchaud e a todos os meus professores e colegas da Université Laval; passamos muito tempo discutindo detalhadamente o texto do Evangelho de Judas. E para quem não consegue esperar pelo artigo, sugiro que leia a edição de outubro de 2006 da Laval théologique et philosophique.

Um comentário:

Islam disse...

Caro Júlio Cesar,
também me dedico às mesmas áreas de estudo.
Estou a preparar um livro sobre o gnosticismo. Gostaria de um dia lho poder mostrar antes de editar, para saber da sua opinião.

Boas investigações.

Isidro Lamelas islamelas@gmail.com