sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Os Códices de Nag Hammadi no Contexto do Egito Cristão dos Séculos IV e V

No início dessa semana, entre os dias 16 e 17 de dezembro, tive a honra de participar do encontro anual do projeto "New Contexts for Old Texts", da Faculdade de Teologia da Universidade de Oslo, Noruega.
O título do encontro esse ano foi "The Nag Hammadi Codices in the Context of Fourth- and Fifth-Century Christian Egypt" (Os Códices de Nag Hammadi no Contexto do Egito Cristão dos Séculos IV e V
).
Foi realmente gratificante poder participar de um colóquio cujo tema versa exatamente sobre o assunto tratado na minha tese. Sem contar a possibilidade de poder apresentar uma comunicação ao lado de estudiosos como Stephen Emmel e Samuel Rubenson.
Pude ainda encontrar alguns colegas escandinavos e meu amigo Alin Suciu. 
Essa nova abordagem parece, de fato, ser a nova moda no estudo dos textos de Nag Hammadi. 
As comunicações serão todas publicadas em um volume com os atos do Colóquio.

Para quem se interessar, segue o link com a lista dos conferencistas e os títulos de suas respectivas comunicações:
http://www.tf.uio.no/english/research/projects/newcont/events/conferences/2013-conference.html


segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Encontro Anual da 'Society of Biblical Literature': Baltimore, novembro de 2013




Esse ano, terei a oportunidade de participar pela primeira vez do encontro anual da "Society of Biblical Literature", que ocorrera em Baltimore, nos EUA, entre os dias 23 e 26 de novembro. 
Apresentarei uma comunicação intitulada "Scribal Intervention in Nag Hammadi Codex V’s titles". Minha comunicação fará parte de uma mesa conjunta entre os grupos "Nag Hammadi and Gnosticism" e "Papyrology and Early Christian Backgrounds".

O título das demais apresentações que compõem a mesa, assim como os resumos de cada comunicação, podem ser consultados no link abaixo:



Quem tiver interesse, pode dar uma olhada no site do evento:

http://www.sbl-site.org/meetings/annualmeeting.aspx

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

J.Pierpont Morgan: da biblioteca ao Titanic

J.P. Morgan
O nome "Pierpont Morgan" é bastante conhecido de todos que trabalham com o cristianismo antigo, já que a famosa "Pierpont Morgan Library" contém um dos maiores e mais importantes acervos de manuscritos antigos e medievais do mundo. 

Esse nome vem do empresário americano John Pierpont Morgan, que, no final do séc. XIX e início do séc. XX, construiu um verdadeiro império financeiro. Em 1906, a biblioteca em questão foi fundada para abrigar sua coleção particular de manuscritos e livros.

O que poucos sabem é que entre os inúmeros e milionários empreendimentos de J.P. Morgan estava a Cia. "International Mercantile Marine"; uma das subsidiárias dessa Cia. a "White Star Line" era a dona do famoso Titanic. Ou seja, J.P. Morgan, além de milionário e colecionador de antiguidades e manuscritos antigos, foi o dono do Titanic.  

  

O naufrágio do Titanic em 1912, um ano antes da morte de J.P. Morgan, causou um rombo financeiro na empresa.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Triste mês de outubro para a coptologia: duas grandes perdas, Karlheinz Schüssler e Rodolphe Kasser

Recebi recentemente a notícia de que dois grandes coptologistas faleceram no início desse mês de outubro: Kalheinz Schüssler e Rodolphe Kasser, nos dias 7 e 8 respectivamente.   

Schüssler morreu num grave acidente de carro na Ístria. Ele ficou conhecido principalmente por ser o editor da Biblia Coptica. 
Kasser já tnha 86 anos e morreu na sua cidade natal, na Suíça. As contribuições de Kasser para a coptologia são tão consideráveis que fica difícil enumerá-las todas aqui. Até onde sei, seu último trabalho foi a edição crítica do Codex Tchacos, realizada em conjunto com Gregor Wurst e outros estudiosos.

Mais notícias sobre o falecimento de ambos e seus respectivos legados para a coptologia podem ser encontrados no blog do meu amigo Alin Suciu.   

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Manuscrito copto-árabe sendo leiloado no Ebay

Foto de um dos lados da folha do manuscrito
sendo vendido no Ebay 
Fiquei sabendo por meio do meu amigo Alin Suciu que uma folha de um manuscrito copto-árabe, que contém doxologias do calendário copta, estava sendo leiloada no Ebay.
O lance mínimo era de US$15,00. O leilão terminou hoje, mas nenhum lance foi feito. O vendedor do item se chama 
yassine1959, mora no Líbano e colocou outros manuscritos para serem vendidos no Ebay.
Segundo a descrição do vendedor, o manuscrito tem cerca de 250 anos e está todo escrito em árabe.

Não é a primeira vez que nos deparamos com esse tipo de coisa, no próprio Ebay. Ano passado, escrevi um post sobre fragmentos gregos e coptas antigos sendo vendidos no mesmo site
   
 

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

E a 'Primavera Árabe' faz mais uma vítima: o milenar mosteiro de Santa Catarina é fechado

O Mosteiro de Santa Catarina, no Monte Sinai
O milenar mosteiro de Santa Catarina, no Monte Sinai, edificado há cerca de 1500 anos, é a mais nova vítima da chamada 'Primavera Árabe'. O mosteiro foi fechado por questões de segurança.

Como eu havia escrito há algumas semanas aqui no blog, os cristãos coptas têm sido vítimas de perseguição no Egito desde a deposição do presidente Mursi. Como alertado no post em questão, além das perdas humanas, a perda do patrimônio cultural e histórico era uma das preocupações. Mais de 60 igrejas e edificações coptas foram queimadas apenas nas primeiras semanas de ira contra os coptas.

Pois bem, por questões de segurança, para evitar que o mosteiro fosse atacado, queimado e destruído, as autoridades egípcias ordenaram que ele fosse completamente fechado no início do mês de julho. O governo egípcio não fez nenhuma declaração oficial, mas acredita-se que a medida foi tomada devido à tentativa de sequestro de um monge em junho, o que levantou suspeitas de que o Mosteiro pudesse ser atacado. Não há oficialmente nenhuma ligação do ocorrido com os ataques aos coptas desde a deposição de Mursi, mas não se pode deixar de notar que, face á destruição de tantas Igrejas coptas, o Mosteiro de Santa Catarina seria um alvo e tanto.

Famoso, dentre outras coisas, por ter abrigado o célebre codex sinaiticus, o Mosteiro de Santa Catarina recebe milhares de turistas todos os anos e é responsável por fazer funcionar a economia local. Nas últimas semanas, os beduínos que trabalham ao redor do Mosteiro fazendo passeios com os turistas abandonaram ou venderam cerca de 800 camelos; com o fechamento do mosteiro, esses beduínos perderam sua fonte de renda, e, sem renda, não podem comprar comida para seus camelos. Venderam os camelos para comprar comidas para si e suas respectivas famílias.     

Essa não é a primeira vez que o Mosteiro de Santa Catarina fecha suas portas. Nos últimos 50 anos, ele já havia sido fechado 2 vezes: a primeira em 1977, quando o então presidente egípcio, Anwar Sadat, visitou Jerusalém, a segunda em 1982, quando Israel invadiu o Monte Sinai. 


Mais informações sobre a questão podem ser lidas no artigo cujo link posto aqui. Fiquei sabendo do acontecido por meio do amigo Alin Suciu, que, por sua vez, o soube por meio do blog de Jim West:
http://www.al-monitor.com/pulse/originals/2013/09/st-catherine-shutdown-monastery-sinai-unrest.html

terça-feira, 3 de setembro de 2013

As obras de Gregório Magno

Ícone antigo representando Gregório
no trono papal 
Hoje, dia 3 de setembro, celebra-se no Ocidente a festa de São Gregório Magno, Papa entre os anos de 590 e 604. Seu papado começou no dia 3 de setembro, razão pela qual sua festa é celebrada hoje, e terminou no dia de sua morte, dia 12 de março, razão pela qual ele também é celebrado nessa data.
Ele foi o primeiro Papa vindo de um background monástico, e é um dos 4 grandes Padres da Igreja do Ocidente - juntamente com Jerônimo, Agostinho e Ambrósio. Ele também é Doutor da Igreja.

Gregório Magno viveu numa época na qual a Patrística já começava a viver seu declínio. As grandes controvérsias teológicas dos séculos IV e V já haviam sido resolvidas e os dogmas elaborados pelos 4 Grandes Concílios já tinham se consolidado - mesmo tendo, na maioria das vezes, causado cismas - o que limitava consideravelmente o âmbito das especulações teológicas. Além do mais, o debate intelectual, e consequentemente teológico, entre Oriente e Ocidente, tornou-se raro a partir da segunda metade do séc. V, por conta do desmanche do império romano, mas também devido às incompatibilidades linguísticas: o latim nunca chegou a se firmar no Oriente como língua falada ou escrita e o grego perdeu gradualmente sua importância no Ocidente - o que pode ser evidenciado pelo fato de Rufino de Aquiléia e Jerônimo (final do séc. IV, início do V) serem os últimos Padres da Igreja a escreverem em ambas as línguas.  

Pois bem, poder-se-ia pensar que o fato de Gregório Magno ter vivido em tal época tenha sido uma barreira para sua produção teológico-literária; afinal, como ser um grande teólogo sem ter ao seu redor com quem dialogar, ou sem grandes questões teológicas sobre as quais refletir? 
No entanto, não foi o que aconteceu. A produção teológico-literária de Gregório é a mais prolífica entre os Papas da antiguidade. Se por um lado, questões teológicas de grande profundidade e complexidade não são discutidas em suas obras, sua contribuição homilética é considerável, por exemplo. Sua contribuição para a consolidação da liturgia ocidental é incomensurável, e sua atuação pastoral é igualmente grandiosa. 
Somente nos últimos 13 anos de sua vida, que coincidem com os anos de seu papado, Gregório escreveu mais de 850 Cartas. Dentre os sermões a ele atribuídos que são hoje julgados autênticos,  tem-se 40 sobre os Evangelhos, 22 sobre Ezequiel e 2 sobre o Cântico dos Cânticos.  Não se pode deixar de citar a famosa Magna Moralia - uma espécie de comentário sobre o livro de Jó - os Diálogos e a Regra para os Pastores, obra na qual Gregório fala da essência do trabalho episcopal, contrastando o papel dos bispos como pastores e suas posições nobiliárquicas dentro da Igreja.

Apesar de sua importância para a história da Igreja, há ainda muito a se descobrir e a se pesquisar em relação a Gregório. Esse post, por exemplo, tem como simples objetivo falar brevemente de sua produção teológico-literária. Poderíamos passar semanas aqui falando, por exemplo, das contribuições de Gregório para a liturgia. Quem sabe num próximo post.    

sábado, 17 de agosto de 2013

Primavera árabe ou o retorno de Diocleciano?

O imperador Diocleciano
Como esse blog destacou em um post de abril, em 2013 comemora-se o aniversário de 1700 anos do Edito de Milãoum marco na história do Cristianismo.
Cerca de 10 anos antes do Edito, em 303, teve início aquela que talvez tenha sido a maior perseguição da história do Cristianismo, a perseguição do imperador Diocleciano. O Edito de Milão acabou oficialmente com as perseguições aos cristãos, tornando o Cristianismo religião licita.

O Egito foi uma das regiões mais afetadas pela perseguição de Diocleciano, tanto que até hoje o calendário copta conta os anos a partir do "ano dos mártires", e não a partir do nascimento de Cristo. O impacto de tal perseguição no Egito pode ainda ser testemunhado por vários outros fatos, como, por exemplo, o cisma meliciano e a quantidade de textos martirológicos preservados em copta que relatam o sofrimento e a morte de mártires durante o governo de Diocleciano. Muitos desses textos são lendários e tardios, compostos a partir do séc. V, mas demonstram como  a perseguição de Diocleciano marcou a mentalidade do cristianismo Copta. 

Pois bem, exatamente 1700 anos depois do fim da perseguição mais sangrenta da história do cristianismo Egípcio, os cristãos Coptas voltam a ser perseguidos e mortos. Mas dessa vez, ao que parece, o perseguidor não é um imperador romano, mas a irmandade muçulmana.
É verdade que os coptas estão "habituados" às perseguições. Desde a conquista muçulmana em meados do séc. VII, o cristianismo sempre foi uma religião minoritária no Egito e em todo o Oriente e norte da África. Desde então, os coptas nunca tiveram vida fácil. Alguns períodos foram piores que outros, é verdade, mas isso não significa que durante esse tempo os coptas tenham tido vida fácil. Ao que parece, eles estão mergulhando em mais um desses períodos críticos.

Cristãos coptas rezam dentro do que sobrou de uma Igreja destruída pelo fogo

Por hora, as informações são imprecisas. Fala-se em igrejas queimadas e até em mortes de cristãos. Várias fotos de igrejas em chamas e incineradas têm circulado pela internet ou podem ser vistas nos noticiários. Além disso, há o problema da destruição do patrimônio cultural, já que muitas igrejas coptas foram construídas há séculos. Alguns mosteiros coptas ainda abrigam coleções de manuscritos e textos antigos e incêndios poderiam destruir para sempre esse patrimônio. É claro que isso não é nada se comparado ao extermínio de cristãos, à perda de vidas humanas; mas isso é, no entanto, um agravante, mais um problema que só serve para piorar essa situação dramática.
Igreja de Santa Maria, no Faouym

A imagem abaixo é bastante elucidativa: foi postada no twitter por um médico egípcio (@FouadMD). Trata-se de um "antes e depois" da Igreja de São Jorge, na cidade de Sohag, sul do Egito, cidade esta que fica próxima ao lendário Monastério Branco, de Shenoute.   
Imagens da Igreja em Sohag antes e depois do incêndio. 

Esperemos que a Primavera Árabe não entre para a história como a "volta de Diocleciano", exatamente 1700 anos depois do fim da perseguição por ele iniciada; e que os cristãos coptas parem de ser perseguidos e mortos, e que seus locais de culto, muitos deles patrimônios históricos, parem de ser destruídos e incinerados.
  

terça-feira, 14 de maio de 2013

O que você posta nas redes sociais é verdadeiro ou falso?


As redes sociais tornaram-se quase que elemento fundamental da realidade contemporânea. Praticamente todo mundo tem um perfil no facebook, twitter e afins. Além disso, muitos têm usado as redes sociais como seu principal meio de informação. Ao invés de lerem jornais, sejam impressos ou digitais, muitas pessoas acabam lendo quase que somente notícias postadas ou partilhadas nas redes sociais.

O grande problema é que nem tudo que se lê nas redes sociais e internet em geral é verdadeiro e exato. A quantidade de informações, frases e reportagens falsas postadas e partilhadas nas redes sociais é imensa. São frases falsamente atribuídas a personalidades, fotos adulteradas, etc. E eu arriscaria dizer que muito disso se deve à preguiça, já que, hoje em dia, com o Google, ficou muito fácil averiguar a veracidade ou exatidão da maioria das informações. E só para constar, eu mesmo já fiz isso, partilhei informações que depois descobri serem falsas. Espero ter aprendido a lição. 

Enfim, isso acaba acontecendo em todos os domínios e áreas do conhecimento: ciências, política, economia, esporte... não poderia ser diferente no que diz respeito às áreas contempladas nesse blog: Bíblia, cristianismo antigo e apócrifos. Já cansei de ver posts sobre um tal "Pai-Nosso original" escrito em aramaico e encontrado gravado numa pedra na Palestina, por exemplo. Trata-se, obviamente, de conversa para boi dormir. 

Pois bem, a última foi essa foto abaixo; um amigo, viu uma foto sobre a descoberta de um códice bíblico partilhada no perfil de um de seus contatos, me perguntou se a informação era verdadeira. Hoje de manhã, vi uma versão ligeiramente modificada da foto em questão no perfil de outro de meus contatos; a foto que posto aqui, é essa. Foi o que me levou a escrever algo a respeito aqui no blog. Eis a foto:

A descoberta foi, de fato, noticiada por jornais turcos em fevereiro de 2012. Me lembro que o assunto foi comentado por alguns colegas em blogs. Aparentemente, a descoberta foi feita em 2000, em Chipre, durante uma operação policial contra contrabandistas, mas a existência do códice só veio a público em 2012, quando ele foi transferido para um museu.
A descoberta foi igualmente noticiada por vários veículos de comunicação em todo o mundo.

As informações contidas na foto acima são uma espécie de resumo do que foi noticiado. Como era de se esperar, no entanto, as informações noticiadas pela mídia e contidas na foto são, no mínimo, equivocadas. Para começo de conversa, o volume em questão não estaria escrito em aramaico, mas em siríaco. Um erro grave, já que o aramaico falado na época de Jesus desapareceu em meados do séc. II, e o volume seria supostamente do séc. V ou VI. Outras versões da notícia chegavam inclusive a dizer que o Vaticano estaria preocupado com a publicação do volume; mais uma vez, conversa para boi dormir, uma tentativa de tornar a notícia mais sensacionalista e interessante para os amantes de teorias da conspiração.

De qualquer modo, tratar-se-ia de uma descoberta e tanto; seria mais um códice bíblico antigo, menos antigo que outros códices, como o Vaticanus e o Sinaiticus, é verdade, mas mesmo assim bastante importante. Até aí, no entanto, nada fazia desse códice encontrado na Turquia um artefato original e revolucionário, afinal, como dito acima, conhecemos outros exemplos de volumes mais antigos.

No entanto, a segunda versão da foto, a postada aqui, trazia uma informação quente: o codex conteria, além dos textos bíblicos, uma versão do famoso Evangelho de Barnabé, até então, preservado somente em manuscritos bastante tardios, que datam dos séculos XVI e XVIII respectivamente. O Evangelho de Barnabé, um apócrifo obviamente pseudonímico e de composição tardia (certamente composto depois do séc. VII), é conhecido por citar Maomé e apresentar traços da fé islâmica.

Ora, a descoberta de uma versão do séc. V ou VI do Evangelho de Barnabé seria, portanto, revolucionária, já que indicaria que o texto é anterior ao que se imaginava.

Mas é aí que a coisa fica mais interessante ainda. E deixo claro que só descobri isso hoje, fazendo uma breve pesquisa sobre o assunto levantado pela segunda versão da foto, já que as primeiras notícias, que li em 2012, salvo engano, não chegavam a mencionar o Evangelho de Barnabé. Pois bem, reações de estudiosos do siríaco se seguiram ao noticiamento da descoberta e, adivinhem! Sim, trata-se provavelmente de uma falsificação. A mídia, que prontamente noticiou a descoberta, no entanto, calou-se sobre a questão da falsificação......
Qualquer semelhança com o caso do Evangelho da Esposa de Jesus, cuja a possibilidade de falsificação foi igualmente pouco noticiada, é mera coincidência.

Alguns links sobre a questão da falsificação:
http://aina.org/news/2012022916569.htm

http://evangelicaltextualcriticism.blogspot.ca/2012/02/antique-syriac-bible.html


quinta-feira, 25 de abril de 2013

Marcos, o evangelista

Hoje, dia 25 de abril, a liturgia latina comemora a festa de São Marcos, a quem a composição de um dos evangelhos sinóticos, provavelmente o mais antigo, é atribuída. Marcos também é tido como fundador do cristianismo na África e primeiro Bispo do importante patriarcado de Alexandria. Por essa razão, ele é particularmente venerado na Igreja Copta.   

Não existem informações claras e precisas no Novo Testamento sobre Marcos; ou, elaborando a questão de uma maneira diferente, não existem informações que possam ser seguramente relacionadas a ele (quem ele foi exatamente, informações sobre sua vida, seu lugar e seu papel na nascente comunidade cristã, etc). Chegou-se a sugerir, por exemplo, que ele fizesse parte do grupo de 70 discípulos enviados em missão por Jesus (Lc 10, 1-24). Outros o identificaram com João Marcos, mencionado diversas vezes nos Atos dos Apóstolos (como em At 12, 12, por exemplo).  Há ainda quem diga que ele era o jovem que estava no Horto das Oliveiras no momento da prisão de Jesus (Mc 14, 51). Os exemplos citados acima são, no entanto, apenas hipóteses. 

Já Hipólito de Roma, em sua obra Sobre os 70 Discípulos, distingue Marcos, o evangelista do João Marcos mencionado em Atos. Para Hipólito, o evangelista é o Marcos mencionado em 2Tim 4, 11.

Como era de se esperar, o célebre historiador eclesiástico da antiguidade tardia, Eusébio de Cesareia, também fala de Marcos. No livro 2 de sua História Eclesiástica, Eusébio diz que Pedro, após ter sido preso por Herodes Agripa e libertado milagrosamente por anjos (at 12, 1-19), viajou pela Ásia Menor, indo depois para Roma. Em algum momento dessa viagem, Pedro encontrou Marcos e fez dele seu companheiro de viagem e intérprete. A partir dessa relação teria nascido o evangelho de Marcos. Marcos teria registrado a pregação oral de Pedro e composto o evangelho antes de ir para Alexandria, por volta do terceiro ano do governo do imperador Cláudio (ano de 43). Crê-se hoje, porém, que a data de redação final do Evangelho de Marcos seja posterior a data sugerida por Eusébio: algo em torno do ano 64, após o martírio do próprio Pedro em Roma.

O relato de Eusébio é particularmente importante porque, além de retraçar as origens redacionais, e porque não, apostólicas, do Evangelho de Marcos, documenta a ida do personagem em questão ao Egito. Como dito acima, Marcos é tido como o fundador do cristianismo nesse país - e consequentemente na África - e como primeiro bispo do importantíssimo e influente patriarcado de Alexandria. Ele é, por isso, particularmente venerado pela Igreja Copta. Tradições tardias da Igreja Copta atestam que ele foi martirizado em 68. 

Basílica Copta de São Marcos, no Cairo.  

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Aniversário de 1700 anos do Edito de Milão

Fragmento de uma estátua de Constantino,
 hoje nos Museus Capitolinos 
Um importantíssimo aniversário para a história do cristianismo, comemorado em fevereiro deste ano, passou praticamente desapercebido. Trata-se do aniversário de 1700 anos do famoso Edito de Milão, promulgado em fevereiro de 313 pelo então imperador romano do Ocidente, Constantino, e por Licinius, que na época governava a região dos Balcãs. 

Dois autores contemporâneos de Constantino falam do Edito, Lactâncio, em sua obra intitulada De Mortibus Persecutorum, e Eusébio de Cesareia, em sua História Eclesiástica. Na obra de Lactâncio o edito é apresentado como uma carta escrita por Licinius e enviada aos governadores das províncias do Oriente. 

Em termos práticos, o Edito de Milão fez com que o cristianismo se tornasse uma religião tolerada, permitida, acabando oficialmente com as perseguições e martírios. É particularmente impressionante notar que esse edito tenha sido promulgado somente alguns anos depois da deflagração de uma das mais violentas e sangrentas perseguições da história do cristianismo, a famosa perseguição de Diocleciano (no início do séc. IV). A perseguição de Diocleciano foi tão violenta e marcante que até hoje a Igreja Copta baseia seu calendário no início do reinado desse imperador, contando os anos a partir da "era dos mártires". Sem contar os cismas que ela causou, como o chamado cisma Meliciano, mas isso é assunto para outro post.    

Nunca é demais lembrar a importância do Edito de Milão na história do cristianismo. Trata-se de um verdadeiro marco, um evento que inaugura um novo período na história da Igreja. Na historiografia sobre o cristianismo antigo, por exemplo, adota-se o Edito de Milão - juntamente com o Concílio de Niceia (325) - como uma espécie de marco institucionalizador da Igreja. 

O cristianismo ainda teve de esperar até o fim do século IV para se tornar a religião oficial do império, mas o Edito de 313 provocou diversas mudanças no cristianismo e em suas relações com o Estado. Se antes o cristianismo tinha de lidar com as perseguições institucionais, a partir de 313, teve de começar a lidar com a ingerência dos imperadores nos assuntos doutrinais e eclesiásticos. A famosa crise ariana provê bons exemplos de quão longe a ingerência do império romano tentou chegar: imperadores exilando bispos e "nomeando" pessoas de sua confiança para as dioceses importantes ou ainda tentando meter o bedelho em decisões conciliares. A Igreja não deixou por menos e muitas vezes enfrentou o poder imperial para afirmar categoricamente que o poder secular não deveria se meter em assuntos doutrinais e eclesiásticos. O maior exemplo disso foi, sem dúvida, Atanásio de Alexandria, que chegou a ser exilado 5 vezes durante seu episcopado por 5 imperadores diferentes.

Portanto, se engana quem acha que o Edito de Milão trouxe um período de paz para a Igreja da antiguidade. Alguns problemas sumiram, outros apareceram.

Se engana também quem acha que o Edito de Milão sepultou de vez o "paganismo". Sabe-se que muitos adeptos das religiões pagãs continuaram a praticar seus cultos até meados do séc. V, e talvez mesmo depois disso. Não se pode deixar de mencionar, por exemplo, o imperador Juliano, o apóstata (imperador entre os anos de 361-363), da própria dinastia de Constantino e que, tendo nascido no seio de uma família cristã, renegou a fé e tentou restaurar os cultos pagãos.    

Mas como dito acima, não se pode deixar de considerar a importância desse marco - o Edito de Milão - na história do cristianismo. 

É uma pena que este aniversário não esteja sendo lembrado. 

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Quem foi São Valentim?

Hoje, dia 14 de fevereiro, a liturgia latina comemora São Valentim. Nos países de cultura anglo-saxônica, essa data equivale, grosso modo, ao nosso dia dos namorados. Os casais aproveitam para comemorar com presentes e bilhetes. A comemoração acabou por se estender também à amizade, e muitos chamam o dia de hoje de "dia da amizade".
Devido à influência da cultura estadunidense em todo o mundo, o dia de São Valentim acaba sendo lembrado em vários outros lugares, inclusive no Brasil.

Vale lembrar que São Valentim é o padroeiro dos casais.

Mas quem foi São Valentim?

Pouco se sabe sobre esse santo, e aí que o assunto se torna de interesse desse blog, já que São Valentim viveu e foi martirizado na antiguidade.
As fontes que relatam a vida e o martírio de São Valentim são bastante tardias e pouco confiáveis, e até mesmo lendárias, mas isso não invalida sua existência ou seu martírio. Uma dessas fontes é conhecida como Lenda Áurea e foi redigida no séc. XIII.

O que se sabe é que Valentim foi provavelmente sacerdote em algum lugar da Itália, na segunda metade do séc. III e que foi martirizado.
A data tradicional de seu martírio é o ano de 273. Mas, segundo a Lenda Áurea, ele teria sido martirizado no governo do Imperador Cláudio, o Gótico, o que necessariamente dataria sua morte entre 260-270 (período de governo do imperador em questão).

Ainda segundo a Lenda Áurea, Valentim teria conseguido fazer com que o Imperador se interessasse pelo cristianismo, quase lhe convertendo. Ao saber da notícia, um governador armou um complô contra Valentim, que foi preso e confiado aos cuidados de um magistrado. Valentim então curou a filha do magistrado e toda sua família se converteu. Depois disso, Valentim acabou sendo decapitado, o tipo de morte mais comum entre os mártires, segundo os relatos de Martirólogos posteriores.

Outro relato, igualmente lendário, diz que, no tempo de Valentim, o imperador proibiu que casamentos fossem celebrados, para poder enviar mais jovens homens à guerra. Valentim se recusou a obedecer a ordem do imperador e casou vários noivos na surdina. Ao ficar sabendo do acontecido, o imperador mandou prender, torturar e executar Valentim. Talvez essa lenda esteja na origem da celebração de São Valentim como uma espécie de "dia dos namorados".

Alguns defendem que a origem de tal celebração estaria, no entanto, relacionada a festas pagãs de fertilidade e amor, celebradas no mês de fevereiro. Na Roma antiga, por exemplo, o dia 15 de fevereiro era o dia da festa de Lupercus, deus da fecundidade.

O Papa Julio I (Papa entre os anos de 337-352), um dos grandes aliados de Atanásio de Alexandria no Ocidente, construiu uma Igreja em homenagem a São Valentim em Roma.