Este blog é um espaço de discussões sobre a história do cristianismo primitivo, literatura bíblica e apócrifos do Novo testamento. O objetivo do blog é divulgar conhecimento sobre as áreas listadas acima de maneira acessível e interessante, mas ao mesmo tempo, com um mínimo de embasamento científico.
O responsável pelo blog é Julio Cesar Dias Chaves, historiador, professor universitário (UPIS Faculdades Integradas) e Doutor em Ciências das Religiões.
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Parece piada, mas é verdade. O Colega Brice Jones, da Universidade de Concordia, identificou um fragmento bíblico copta que está à venda no e-bay; o vendedor se identifica como "mixantik" e, segundo o e-bay, está na Turquia. Por meio das fotos disponibilizadas no anúncio do e-bay, Brice identificou o fragmento de papiro como autêntico, possivelmente do séc. IV ou V, e contento porções da Epístola aos Gálatas : 2, 2-4 (recto) e 5, 6 (verso). O vendedor está pedindo a bagatela de US$ 14.000,00...... um valor excessivamente alto. Infelizmente, nenhuma biblioteca vai pagar esse valor e o fragmento com certeza vai cair nas mãos de um comprador particular. Segundo Brice, esse mesmo vendedor tem anunciado há cerca de um ano vários fragmentos gregos e coptas, mas por valores mais baixos, de cerca de US$200,00 ou US$300,00. Ficam as perguntas: como o vendedor conseguiu esses fragmentos? Como eles saíram do Egito? Há ainda questões legais a serem analisadas, pois, tratam-se de documentos históricos de propriedade da nação egípcia.
O presente post foi motivado pelo aniversário de 50 anos do início do Concílio Vaticano II, sem dúvida nenhuma, um dos mais importantes episódios da história da Igreja. Escuto muitos amigos, colegas e conhecidos falarem do Concílio Vaticano II de maneira pessimista, referindo-se de modo simplista à suposta batalha entre "progressistas e tradicionalistas" e lamentando de maneira quase escatológica o "cisma" causado por Marcel Lefebvre e seus seguidores. Tal posição pessimista passa muitas vezes a impressão de que a Igreja vive tempos particularmente difíceis, e que nunca antes tinha passado por uma crise tão séria. Enfim, o objetivo deste post é mostrar brevemente que desde os primeiros séculos da história da Igreja - abordando, portanto, um assunto que faz parte do escopo deste blog - os anos e décadas posteriores a um concílio quase sempre foram difíceis; que muitas vezes a Igreja teve de conviver com crises teológicas, cismas e até mesmo tentativas de intervenção externa de autoridades seculares em questões doutrinais e dogmáticas. Se por um lado os concílios da antiguidade conseguiam formular dogmas, por outro, a formulação do dogma propriamente dito acabava por gerar desavenças e causar cismas. Esse post é, digamos, um post apologético, animador, que quer mostrar que a situação a qual me referia no primeiro parágrafo não é inédita e que a Igreja já sobreviveu a situações muito mais difíceis e complicadas.
Comecemos pelo Concílio de Niceia, em 325. O ponto mais importante desse concílio foi a formulação dogmática que deixava claro que Jesus era Deus. Alguns cristãos da época - simplificadamente chamados de "arianos" - não acreditavam que Jesus era Deus, mas a primeira e mais excelsa dentre as criaturas, tendo, inclusive, participado do restante da atividade criadora do Pai. Mesmo após o Concílio, esses cristãos não passaram a acreditar na divindade de Cristo. Por outro lado, alguns clérigos, de maneira geral, aceitando a divindade de Cristo, não ficaram satisfeitos com o uso de expressões filosóficas gregas, que não apareciam nas Escrituras, na formulação do dogma em questão. O séc. IV viu, portanto, uma verdadeira crise teológica que ficou conhecida como "crise ariana", que durou mais de 60 anos. A formulação do Concílio, ao invés de alcançar um consenso, acabou criando discórdia em toda a cristandade. A chamada crise ariana foi, sem dúvida, um dos episódios mais dramáticos da história da Igreja. A produção literária dos Padres da Igreja nesse período testemunha a grandeza e a dramaticidade dessa crise. Nesse período, a figura de Santo Atanásio, o principal defensor do credo niceno, foi proeminente. Ainda no âmbito eclesiástico, o período em questão testemunhou o aparecimento de vários pequenos sínodos regionais, nos quais alguns bispos se reuniam para questionar o credo niceno, formulando ajustes ou suprimindo partes do próprio credo. Outra questão que tornou a situação da Igreja particularmente dramática nesse período consistiu no fato de alguns imperadores romanos terem tentando interferir em assuntos dogmáticos e eclesiásticos. Alguns imperadores que não eram adeptos do credo niceno ordenaram o exílio de bispos pró-Niceia, nomeando eles próprios "bispos" anti-Niceia; Santo Atanásio, por exemplo, chegou a ser exilado 5 vezes de seu posto de Patriarca de Alexandria. A questão só foi se resolver de maneira completa no fim do séc. IV, com um outro concílio, o Concílio de Constantinopla I, em 381; tal concílio ratificou o credo niceno e estendeu a formulação dogmática sobre a divindade ao Espírito Santo. Portanto, apesar da situação dramática vivida pela Igreja durante o séc. IV, a questão acabou por se resolver sem deixar que um cisma ariano se perpetuasse.
No séc. V, outros dois concílios, o de Éfeso (431) e o de Calcedônia (451) geraram situações semelhantes, mas com um fim diferente. No Concílio de Éfeso, a principal formulação dogmática dizia respeito à União Hipostática - ou seja, inseparável - das naturezas humana e divina na pessoa de Cristo. Nestório, o famoso Patriarca de Constantinopla na época e que negava a União Hipostática, foi condenado, assim como sua doutrina, comummente chamada de Nestorianismo. A decisão dogmática, no entanto, causou um cisma, que continua a existir até os dias de hoje, a chamada "igreja nestoriana", na Síria. Em Calcedônia, a formulação dogmática procurou resolver a questão monofisita. O monofisismo pregava que a natureza divina de Cristo, sendo mais excelsa, tinha absorvido a natureza humana do próprio Cristo. O Concílio de Calcedônia viu aparecer um dos grandes cismas da história do cristianismo, o cisma monofisita. Após o Concílio, devido também a questões políticas, a Igreja do Egito, representada principalmente pelo patriarcado de Alexandria, separou-se do restante da cristandade, negando de maneira virulenta a comunhão com Roma.
Esse pequeno esboço dos 4 grandes concílios da antiguidade são apenas uma tentativa de mostrar que grandes formulações dogmáticas quase sempre deixam alguns descontentes. Tem sido assim desde Niceia, não seria diferente com o Vaticano II. E certamente, apesar do aval dos pessimistas, a Igreja já passou por situações mais dramáticas e sobreviveu....
Segundo alguns meios de comunicação e blogs especializados em estudos bíblicos, um documentário sobre o tal Evangelho da esposa de Jesus, produzido pelo canal Smithsonian, teve sua estréia adiada devido às dúvidas quanto à autenticidade do documento, levantadas por diversos estudiosos dos domínios do cristianismo antigo e estudos coptas.
Um resumo e um preview do documentário podiam ser vistos na página do canal Smithsonianaté domingo, mas acabei de conferir e vi que ambos foram retirados do ar.
É preciso que fique claro que a falsificação do tal fragmento ainda não foi comprovada; o que existe são fortes indícios e evidências de falsificação, e não provas, digamos, concretas e irrefutáveis. Talvez, a única maneira de comprovar de uma vez por todas que se trata de uma falsificação seja testando a tinta utilizada para escrever no papiro. Pelo que andei lendo, o teste deve ser realizado antes de 2013. Mas mesmo o teste da tinta poderia deixar dúvidas. Creio que, se a composição da tinta for deveras diferente das tintas usadas em manuscritos comprovadamente antigos, principalmente coptas, não restariam dúvidas quanto à falsificação; mas o contrário, uma tinta cuja composição é semelhante a das usadas na antiguidade, ainda poderia deixar dúvidas, pois nada impede que o(a) pretenso(a) falsificador(a) tenha se dado ao trabalho de usar uma tinta semelhante. De qualquer modo, o tal teste deveria ter sido feito antes do anúncio, e não depois. Toda essa confusão teria sido evitada. É uma pena ver, mais uma vez, o trabalho acadêmico sendo substituído pelas polêmicas mediáticas.
Abaixo, segue um vídeo interessante feito por Christian Askeland; no vídeo, ele explica detalhadamente, de maneira acessível, três características do fragmento que apontam para a possibilidade de falsificação. O vídeo é muito bom, pois, é bastante ilustrativo e exemplificado, além de ter sido feito visando o público em geral, e não especialistas. Portanto qualquer um que entenda inglês consegue entender.
Chamo-me Julio Cesar, historiador formado pela UnB, mestre e doutor em ciências da religião pela université Laval, Québec. Atualmente, professor de História Antiga e Medieval da UPIS Faculdades Integradas. Minhas áreas de pesquisa são o cristianismo primitivo, egípcio e copta, literatura apocalíptica, gnosticismo e a Biblioteca copta de Nag Hammadi.