sexta-feira, 17 de setembro de 2010

O Primado de Roma na antiguidade

O post de hoje é temático, já que a visita do Papa Bento XVI ao Reino Unido anda tão em evidência.

Obviamente não há espaço aqui no blog para todo um dossiê completo sobre a história do Primado de Roma na antiguidade - mesmo porque, andei procurando e não achei nenhuma obra ou pesquisa sobre esse assunto em específico - quem sabe um dia eu não escreva algo sobre isso. Quero, no entanto, tecer alguns comentários sobre o cânon III do Concílio de Constantinopla I, realizado em 381.
Segue o texto do cânon III:

O bispo de Constantinopla deve ter a primazia de honra logo após o bispo de Roma, pois aquela cidade é a nova Roma

O cânon III afirma, mesmo que indiretamente, a primazia de honra do bispo de Roma, o sucessor do príncipe dos apóstolos, Pedro. Particularmente interessante, se considerarmos que o Concílio em questão foi um encontro exclusivamente de bispos orientais; sim, logo os orientais que sempre tiveram dificuldade em aceitar o primado de Roma. Mas enfim, vamos tentar aprofundar um pouco mais esta discussão.

Primeiramente, percebe-se que a idéia do Primado de Roma é antiga, que esteve presente desde muito cedo na doutrina da Igreja, ao contrário do que muitos dizem ao afirmarem que se trata de uma invenção medival ou moderna. Como dito anteriormente, o reconhecimento dessa idéia por parte de um concílio oriental, que não contou com nenhum participante da própria diocese de Roma, é particularmente interessante e significativo. 

Por outro lado, a expressão "primazia de honra" pode parecer deveras difusa, indicando que a primazia do bispo de Roma não é institucional, doutrinal ou dogmática, mas apenas honorífica. Na prática, isso significaria que o bispo de Roma é mais importante que os demais bispos, mas que não teria poderes para interferir em outras dioceses nem para estabelecer dogmas ou leis eclesiásticas universais unilateralmente. Se não me engano, é exatamente assim que os ortodoxos interpretam o cânon III do Concílio de Constantinopla I até hoje. Obviamente, essa interpretação nunca foi adotada no Ocidente. 

É importante ainda lembrar que muitas vezes, a interpretação acima foi evocada pelos orientais mais por motivos políticos do que por motivos propriamente doutrinais ou dogmáticos. Ao longo do séc. V, por exemplo, vários bispos de Constantinopla tentaram "rivalizar" contra o bispo de Roma, afinal, esta cidade, varias vezes saqueada, atacada e destruida, já havia deixado de ser o centro do império Romano, que de certa forma nem existia mais no ocidente, enquanto aquela passou a abrigar o centro administrativo e político do império, bem como a corte imperial. É bastante conhecida, por exemplo, a luta do Papa Leão Magno no séc. V pelo reconhecimento universal do primado de Roma, frente às investidas de certos bispos de Constantinopla que diziam que o primado deveria ser "transferido", assim como a capital do império. 

Por último, cabe ainda dizer que o cânon III do Concílio de Constantinopla I causou a fúria de Alexandria, até então considerada a segunda diocese mais importante da Igreja; se analisarmos as coisas dos pontos de vista intelectual e filosófico, Alexandria era mais importante que a própria Roma. Mas com a transferência da capital do império para Bizâncio, que passou a se chamar Constantinopla, as coisas começaram a mudar. O cânon III é o sinal de que Alexandria já não era a cidade mais importante do oriente. Essa querela entre Constantinopla e Alexandria termina muito mal, em 451, quando, logo após o Concílio de Calcedonia, a igreja do Egito se separa do restante da cristandade. É o primerio cisma significativo da história da Igreja.

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