quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Evangelho do Salvador e Alin Sociu no Ifao


Esse ai na foto é meu amigo romêno, Alin Sociu. Ele estuda comigo na Université Laval; deve terminar o doutorado dele no ano que vem.

Atualmente, o Alin está no Egito, analisando manuscritos coptas. Vai passar uns dias no Cairo e deve ir ao oasis de Faum também. Na foto, ele está analisando um manuscrito do Instituto francês de arqueologia oriental. Ele vai analisar alguns manuscritos no museu copta também.

A pequena viagem dele incluirá ainda uma pequena estadia em Berlim, para analisar o manuscrito do texto que ele estuda, o P. Berolinensis 22220, popularmente conhecido como Evangelho do Salvador. Os primeiros editores do texto, Hedrick e Merick, afirmaram categoricamente em 1996 que o texto em questão era um exemplo de evangelho primitivo que conservava tradições arcaicas independentes dos evangelhos canônicos e que poderiam remontar até o séc. I; essa visão foi reproduzida por praticamente todos os estudiosos que falaram do texto até então. No entanto, um estudo sério e aprofundado do texto nunca foi feito (Stephen Emmel publicou alguns anos depois uma nova edição do texto copta, melhor do que a de Hedrick, mas a edição em questão não contém um estudo aprofundado do texto); a pesquisa de doutorado do Alin é o primeiro estudo desse tipo. E ele está demonstrando que não se trata de um "evangelho primitivo" coisa nenhuma, mas de uma homilia copta tardia, que pode ter sido composta em um monento posterior ao séc. V. Ele chegou a essa conclusão comparando o texto do evangelho do Salvador com homilias e textos coptas dos séculos V, VI e VII; textos como esse do manuscrito da foto.

Mas enfim, como bem sabemos, o que chama a atenção da mídia e do público é um "evangelho primitivo" com palavras secretas de Jesus; ninguém quer saber de uma homilia copta tardia. Isso não vende. Não vou entrar em mais detalhes porque o Alin escreveu um artigo que deve ser publicado no livro que estou organizando junto com o Vicente. Quem se interessar pelo trabalho dele terá a oportunidade de ler detalhadamente os resultados de sua pesquisa.

Só para concluir, queria dizer que o título de evangelho do Salvador é uma invenção dos primeiros editores, já que o manuscrito não possui título (e se possuia esse título não foi conservado) e Jesus é várias vezes chamado de "Salvador" no texto.

Um agradecimento ao Alin por ter me permitido postar a foto.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Nova linha de pesquisa do PEJ: cristianismo primitivo, patrística e gnosticismo

Fiquei sumido durante um tempo, mas é porque estava viajando. Agora que já está tudo normal, vou voltar a postar no blog com certa regularidade. Mesmo não recebendo muitos comentários por aqui, sei que tem gente que acompanha e lê meus posts, por isso vou continuar escrevendo regularmente. Mas repito que ficaria muito contente em receber comentários e perguntas das pessoas que passam por aqui.
Hoje vou falar um pouco da nova linha de pesquisa do PEJ, criada há pouco tempo. Trata-se de uma subdivisão que terá por objeto o cristianismo primitivo, patristica e gnosticismo. Eu, Vicente, Fabrício e alguns outros membros do PEJ percebemos que era hora de abrir essa nova linha de pesquisa, devido ao considerável número de pessoas no grupo interessadas em cristianismo primitivo e áreas afins. Eu terei o prazer - e desafio - de coordenar essa nova linha de pesquisa.
Por enquanto, a idéia é seguir um plano de leitura básica sobre o cristianismo primitivo; um plano de leitura que tem por objetivo conhecer e discutir os principais temas relativos ao estudo do assunto em questão. Tenho certeza que essa nova linha de pesquisa vai ajudar muito no desenvolvimento do PEJ, mesmo para aqueles que participarão apenas tendo em vista uma formação complementar, pois continuarão fazendo parte também da linha de sincretismo.
Quem quiser saber mais sobre a nova linha de pesquisa pode procurar informações na página do PEJ ou entrar em contato comigo ou com o Vicente.

sábado, 9 de fevereiro de 2008

Gnosticismo: uma construção moderna?

Foram os estudiosos dos séculos XVIII e XIX que começaram a utilizar a palavra “gnosticismo” (que vem da palavra grega gnosis = conhecimento) para designar movimentos religiosos da antiguidade. Grosso modo, segundo eles, gnósticos eram os adeptos de “seitas”, algumas cristãs outras pré – cristãs, que acreditavam que o conhecimento era a chave da salvação; mas não se tratava de qualquer conhecimento: era necessário conhecer o verdadeiro Deus, o Pai supremo, diferente do criador do mundo material, o deus das escrituras judaicas. A parte espiritual do homem seria oriunda desse Deus supremo, mas a ignorância e ciúme do criador prendiam o homem ao mundo material; a salvação consistia então, em conseguir, após a morte do corpo, ascender até o pleroma, morada do Deus superior. Mas para isso, era necessário primeiro conhecer a origem divina do ser humano, ou seja, uma origem espiritual que remontaria ao Deus supremo, diferente da origem material oriunda do criador. Além do mais, para chegar até o pleroma, era necessário passar pelo criador e pelos seus anjos que tentariam a todo custo impedir a ascensão do ser espiritual.
Muita gente acreditava nisso que eu disse ai em cima; e os estudiosos dos séculos XVIII e XIX resolveram chamá-los de “gnósticos” e os estudiosos do séc. XX, e também os do séc. XXI continuaram a chamá-los assim. Mas alguém na antiguidade se designou como “gnóstico”? Existiu uma “religião gnóstica”? A resposta das fontes antigas para ambas as perguntas é não. As fontes nos demonstram que os cristãos ditos “gnósticos”, aqueles que acreditavam, grosso modo, no sistema descrito acima, muito provavelmente enxergavam-se como cristãos; claro, cristãos superiores, mas não formavam seitas ou religiões distintas. Tudo isso se insere no complexo contexto do cristianismo primitivo, um contexto plural, numa época na qual a ortodoxia, consagrada pelo Concílio de Nicéia, ainda estava se formando.
Eventualmente, a consolidação da fé católica e a institucionalização do credo de Nicéia como única forma correta de cristianismo acabou fazendo com que esses cristãos “diferentes” fossem cada vez mais excluídos; e tudo indica que eles desapareceram.
Enfim, só para concluir, deve-se dizer que nenhuma fonte nos relata um desses cristãos chamando-se a si mesmo de “gnóstico” ou definindo sua fé como “gnosticismo”. Somos nós, os modernos que utilizamos tais nomes, de maneira arbitrária, para nos referirmos a esses fenômenos da antiguidade e seus adeptos.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Tiago, o irmão de Jesus.

No final de 2002, o número 28 da revista Biblical Archeology Review divulgou uma suposta descoberta arqueológica fantástica: uma pedra que faria parte de um ossuário; na pedra estaria escrito “Tiago, o irmão de Jesus”. Posteriormente ficou claro que se tratava de uma fraude, mas a polêmica sobre a existência de um irmão de Jesus, o que, poderia contradizer o dogma da virgindade perpétua de Maria, estava lançada.
Falso ou não, o ossuário não nos traz absolutamente nada de novo. Várias fontes antigas já falavam da existência de um “Tiago irmão de Jesus”. Esse Tiago não seria um dos doze apóstolos, mas um discípulo de Jesus. Ele era conhecido ainda como Tiago, o justo, era um asceta que não bebia vinho e gozava de extremo prestígio em meio aos judeus, sendo ainda conhecido por sua vida de oração. Ele teria sido martirizado no Templo de Jerusalém; Quem nos conta tudo isso é o historiador antigo Eusébio de Cesaréia (História Eclesiástica II, 23, 4-18) que escreve no séc. IV, mas diz utilizar como fonte em relação a Tiago um cristão de origem judaica do séc. II, Hegésipo. Há ainda um texto de Nag Hammadi, o primeiro apocalipse de Tiago¸ no qual Tiago é também chamado de “irmão do Senhor”.
Sabe-se que a palavra irmão era também utilizada para designar um parente próximo na literatura bíblica; qualquer bíblia que se preze tem uma nota explicando isso. Mas quase nunca se menciona o significado metafórico e espiritual da palavra irmão. Poder-se-ia usar a palavra em questão para designar proximidade espiritual; mesmo hoje em dia, quando um padre faz uma homilia e chama seus ouvintes de irmãos, ele não esta dizendo que todos são filhos biológicos de um mesmo pai ou de uma mesma mãe; ele quer dizer que são todos irmãos na fé, batizados, filhos do mesmo Deus Pai. Não posso afirmar com certeza, mas creio que muitas vezes, quando a palavra irmão é empregada no Novo Testamento é isso que ela quer designar, uma fraternidade espiritual, e não carnal. O primeiro apocalipse de Tiago não é um texto bíblico, mas nos dá uma idéia desse significado espiritual da palavra em questão quando coloca na boca de Jesus as seguintes palavras ao se referir a Tiago: “Tu és meu irmão, mas não segundo a carne” (NH V, 24, 13-19).

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Número 7 da revista eletrônica Oracula

Esta semana saiu o número 7 da revista Oracula, a “revista eletrônica de pesquisas em apocalíptica judaica e cristã”, da Universidade Metodista de São Paulo.
O número conta com três colaborações de membros do PEJ.
Desde o início da revista, muitos membros do PEJ têm contribuído com a Oracula, como a Joana, o Vicente e eu, por exemplo. Dessa vez, os artigos foram escritos Pelo Fabrício, Julia e Alexandre.
Para quem quiser dar uma olhada:

http://www.oracula.com.br/site/index.php?option=com_content&task=view&id=79&Itemid=51

A Oracula é uma iniciativa e tanto, um primeiro passo na tentativa de colocar o Brasil no mapa mundial de estudos bíblicos. Figuras conhecidas mundialmente, como C. Hedrick já contribuíram com a revista; vamos torcer para que todos aqueles que escrevem para Oracula se tornem um dia referência mundial em seus respectivos campos de pesquisa.

Quero aproveitar ainda para agradecer os comentários que a Andrea e a Vanessa fizeram em relação ao post anterior. Muito obrigado! Espero que sejam os primeiros de muitos comentários e participações.