As redes sociais tornaram-se quase que elemento fundamental da realidade contemporânea. Praticamente todo mundo tem um perfil no facebook, twitter e afins. Além disso, muitos têm usado as redes sociais como seu principal meio de informação. Ao invés de lerem jornais, sejam impressos ou digitais, muitas pessoas acabam lendo quase que somente notícias postadas ou partilhadas nas redes sociais.
O grande problema é que nem tudo que se lê nas redes sociais e internet em geral é verdadeiro e exato. A quantidade de informações, frases e reportagens falsas postadas e partilhadas nas redes sociais é imensa. São frases falsamente atribuídas a personalidades, fotos adulteradas, etc. E eu arriscaria dizer que muito disso se deve à preguiça, já que, hoje em dia, com o Google, ficou muito fácil averiguar a veracidade ou exatidão da maioria das informações. E só para constar, eu mesmo já fiz isso, partilhei informações que depois descobri serem falsas. Espero ter aprendido a lição.
Enfim, isso acaba acontecendo em todos os domínios e áreas do conhecimento: ciências, política, economia, esporte... não poderia ser diferente no que diz respeito às áreas contempladas nesse blog: Bíblia, cristianismo antigo e apócrifos. Já cansei de ver posts sobre um tal "Pai-Nosso original" escrito em aramaico e encontrado gravado numa pedra na Palestina, por exemplo. Trata-se, obviamente, de conversa para boi dormir.
Pois bem, a última foi essa foto abaixo; um amigo, viu uma foto sobre a descoberta de um códice bíblico partilhada no perfil de um de seus contatos, me perguntou se a informação era verdadeira. Hoje de manhã, vi uma versão ligeiramente modificada da foto em questão no perfil de outro de meus contatos; a foto que posto aqui, é essa. Foi o que me levou a escrever algo a respeito aqui no blog. Eis a foto:
A descoberta foi, de fato, noticiada por jornais turcos em fevereiro de 2012. Me lembro que o assunto foi comentado por alguns colegas em blogs. Aparentemente, a descoberta foi feita em 2000, em Chipre, durante uma operação policial contra contrabandistas, mas a existência do códice só veio a público em 2012, quando ele foi transferido para um museu.
A descoberta foi igualmente noticiada por vários veículos de comunicação em todo o mundo.
As informações contidas na foto acima são uma espécie de resumo do que foi noticiado. Como era de se esperar, no entanto, as informações noticiadas pela mídia e contidas na foto são, no mínimo, equivocadas. Para começo de conversa, o volume em questão não estaria escrito em aramaico, mas em siríaco. Um erro grave, já que o aramaico falado na época de Jesus desapareceu em meados do séc. II, e o volume seria supostamente do séc. V ou VI. Outras versões da notícia chegavam inclusive a dizer que o Vaticano estaria preocupado com a publicação do volume; mais uma vez, conversa para boi dormir, uma tentativa de tornar a notícia mais sensacionalista e interessante para os amantes de teorias da conspiração.
De qualquer modo, tratar-se-ia de uma descoberta e tanto; seria mais um códice bíblico antigo, menos antigo que outros códices, como o Vaticanus e o Sinaiticus, é verdade, mas mesmo assim bastante importante. Até aí, no entanto, nada fazia desse códice encontrado na Turquia um artefato original e revolucionário, afinal, como dito acima, conhecemos outros exemplos de volumes mais antigos.
No entanto, a segunda versão da foto, a postada aqui, trazia uma informação quente: o codex conteria, além dos textos bíblicos, uma versão do famoso Evangelho de Barnabé, até então, preservado somente em manuscritos bastante tardios, que datam dos séculos XVI e XVIII respectivamente. O Evangelho de Barnabé, um apócrifo obviamente pseudonímico e de composição tardia (certamente composto depois do séc. VII), é conhecido por citar Maomé e apresentar traços da fé islâmica.
Ora, a descoberta de uma versão do séc. V ou VI do Evangelho de Barnabé seria, portanto, revolucionária, já que indicaria que o texto é anterior ao que se imaginava.
Mas é aí que a coisa fica mais interessante ainda. E deixo claro que só descobri isso hoje, fazendo uma breve pesquisa sobre o assunto levantado pela segunda versão da foto, já que as primeiras notícias, que li em 2012, salvo engano, não chegavam a mencionar o Evangelho de Barnabé. Pois bem, reações de estudiosos do siríaco se seguiram ao noticiamento da descoberta e, adivinhem! Sim, trata-se provavelmente de uma falsificação. A mídia, que prontamente noticiou a descoberta, no entanto, calou-se sobre a questão da falsificação......
Qualquer semelhança com o caso do Evangelho da Esposa de Jesus, cuja a possibilidade de falsificação foi igualmente pouco noticiada, é mera coincidência.
Alguns links sobre a questão da falsificação:
http://aina.org/news/2012022916569.htm
http://evangelicaltextualcriticism.blogspot.ca/2012/02/antique-syriac-bible.html