Seguindo a linha do post anterior, já que hoje a liturgia latina celebra a conversão de São Paulo, aí vai um post sobre um pouco do legado literário do "Apóstolo das Gentes".
É sabido que as epístolas compostas por Paulo (sem entrar na discussão das chamadas epístolas deuteropaulinas), todas nas décadas de 50 e 60 do séc. I, eram endereçadas a comunidades ou pessoas em específico; logo, em princípio, elas visavam resolver problemas grosso modo pontuais, em geral peculiares àquelas comunidades as quais cada uma das epístolas era endereçada. No entanto, com o o tempo, essas epístolas, que em princípio foram endereçadas a comunidades específicas, deixaram de ser patrimônio único das comunidades em questão e passaram a ser utilizadas e respeitadas por toda a cristandade. É provável, inclusive, que a partir de um determinado momento, os cristãos passaram a se utilizar de conjuntos de epístolas paulinas que não circulavam mais separadamente, mas juntas, numa espécie de corpus paulino. É provável que isso tenha demandado certo tempo para começar a acontecer, se levarmos em conta a dinâmica de difusão e consumo de textos na antiguidade. Seria praticamente impossível fixar uma data exata de quando isso começou a acontecer, mas antes do séc. II seria muito pouco provável.
Enfim, é aí que entra o Apocalipse copta de Paulo (NH V, 2), também conhecido como ApocPaulo de Nag Hammadi e que não deve ser confundido com o mais conhecido, porém, mais tardio, Apocalipse Latino de Paulo; trata-se de um texto seguramente pseudonímico, composto na segunda metade do século II, provavelmente em grego. O texto nos relata uma ascensão de Paulo, provavelmente beseada no relato de 2 Coríntios. Mas além de fazer referência clara ao episódio de 2Cor 12, 2, o nosso Apocalipse de Paulo faz alusões a outros textos do corpus paulino, como Romanos, Galatas e Efésios.
Isso demonstra que, muito provavelmente, o autor do Apocalipse de Paulo tinha conhecimento não apenas de 1 epístola paulina, mas de várias, um argumento em favor da existência de um corpus paulino já na segunda metade do século II.
Deixando de lado o conteúdo propriamente dito do texto, vale dizer que ele é particularmente interessante para o estudo da difusão e do consumo do Novo Testamento na antiguidade.
Posso estar enganado, mas proporcionalmente - o Apocalipse de Paulo é pequenho, cerca de 6 páginas e meia - o texto em questão deve ser um dos que mais faz alusões a epístolas paulinas no século II.